O telefone tocou e ele levantou-se. Aquele som irritante continuava a tremer nos seus ouvidos. Vou já! Quando chegou ao pé daquela máquina infernal o som deixou de se ouvir. Deixá-lo. Liguem outra vez. Olhou para a mesa. Que desarrumação. Não tinha sido nada boa ideia. Pegou no monte que estava escolhido e voltou a colocá-lo na mala. Os outros continuavam em cima da mesa a olhar para ele.
Ligou a televisão. Talvez com companhia fosse mais fácil. Sempre tinha sido assim, cheio de ilusões num mundo de faz de conta que não existia. Olhou para o écran. Notícias. Um prémio importante atribuído a uma mulher. Aquela cara era-lhe familiar. Sim, era. Não se lembrava do nome dela, mas tinha a certeza que a conhecia.
Suspirou e separou as folhas do outro monte. Recortes de jornal. Um casal jovem que tinha sido fotografado em várias conferências. Ela era muito bonita e ele tinha ar de menino. Que raio estavam ali a fazer? Claro! Era a mulher da televisão. Reparou que a notícia era antiga porque estava no Canal Memória.
Quando terminou de juntar os recortes, viu uma fotografia. Sorriu. Um rapaz estava a olhar para uma folha com ar de satisfação. Era um diploma. Sim, todo o esforço havia sido recompensado. Tinha passado nos exames e agora era médico. Quem teria tirado a foto? Não se conseguia lembrar. Ah! Foi ela!
– Anda! Dá-me a tua mão e vamos correr até não termos mais fôlego! Conseguimos! Somos médicos e vamos salvar o mundo! Mas primeiro quero ir à praia, quero molhar os pés e quero sentir a areia molhada. Quero cheirar o mar e quero que seja contigo! Este é um dos dias mais felizes da minha vida. Como te sentes? Não dizes nada?
Não tinha palavras! Era a realização de um sonho, de tantas horas de trabalho e ela, ela continuava com ele, sempre ao seu lado, nunca o tendo abandonado nem desamparado. Que sorte era a sua! Colocou os braços à volta dos ombros e caminhou com ela durante horas, até o sol se pôr. Não trocaram uma única palavra. Não precisavam. O entendimento estava completado.
O sol foi ficando baixo e a luz que emanava era de pura paixão. Ela olhou para ele, olhou-o dentro dos olhos e beijou-o. Foi tão intenso que os seus joelhos ficaram moles e as pernas tremeram. O seu corpo estava ali, colado ao seu, como se fossem um só. Sentiu o bater do seu coração e devoraram-se com beijos e abraços.
A praia era deles. Testemunha de um amor maior, de uma relação que nunca iria terminar, mas que teria provas muito difíceis. Ainda não o sabiam, porque a juventude ameniza todo o sofrimento, e consegue colorir tudo com intensidade, mas a vida ser-lhes-ia madrasta e castigadora. Não naquele momento. Mais tarde.
As ondas tocavam aqueles dois corpos, ao de leve, que se amavam desenfreada e selvaticamente. Era o seu dia e mereciam o prémio a que tinham direito. A audacidade era recompensada com o fulgor da idade e com a sinceridade dos sentimentos. O pôr do sol fechava os olhos e ela adormecia nos braços dele. As últimas palavras que tinha ouvido tinham-na levado até ao mundo dos sonhos: amo-te para sempre.