Num reino distante, habitavam umas pessoas estranhas que tinham o hábito de ficar fechadas em casa. Viviam cheias de medo e de angústia e desconfiavam de tudo e de todos. Quase não saíam de casa e quando o faziam era sempre a correr e com o olhar muito desconfiado.
Quando se cruzavam com outros, muito poucos, mantinham uma grande distância social e as palavras trocadas eram curtas e quase sem significado. Nem havia lugar a diálogos, eram somente frases soltas. Tudo bem? Continuavam o caminho sem sequer esperar pela resposta.
Quando chegavam a casa descalçavam-se e desinfetavam tudo o que traziam consigo. Outras, as que não podiam sair de casa por serem idosas ou doentes, tinham quem lhe fosse levar o essencial, mas sempre mantendo as respetivas distâncias.
E era mesmo isto que era grave: as distâncias que faziam com que deixassem de ser humanas e passassem a ser apenas uma espécie de bonecos que se moviam sem pensar. Se diziam para colocar um funil na cabeça, iam logo a correr cumprir a ordem, se mudavam para as meias trocadas, nem pestanejavam.
Não sabiam o que eram abraços, nem beijos e, mesmo dentro de casa, ficavam afastados uns dos outros como se fossem estranhos. Os avós não podiam estar com os netos e muitos pais estavam longe dos filhos. Diziam que eram para viverem muitos anos, mas o que acontecia é que iam morrendo sem se ver nem se abraçar.
Havia uns quantos que vinham à janela, mas com muita cautela não fosse um bicho estranho e invisível os atacar e deixar ficar todos doentes. A maneira de viver era mesmo muito peculiar e pareciam estar aborrecidos de estar fechados, mas não se revoltavam com a situação. Eram dogmáticos moles e sem o menor pingo de revolta nem de contestação.
As escolas e os infantários fecharam as portas e o mundo parecia muito triste. Alguns falavam para aparelhos com caras e outros usavam as teclas para falar. Os sons quase que se extinguiram e o silêncio era aterrador. Aprender deixou de ser interessante ou até mesmo um desafio para se mergulhar nas trevas da ignorância.
Um dia, vinda de um planeta ainda mais distante, aparece uma rapariga de cabelos ruivos e muito decidida. As heroínas têm sempre características muito especiais e distinguem-se bem dos simples e comuns dos mortais. Ela queria acabar com aquele enorme e descabido sofrimento. Não fazia sentido que as crianças não brincassem e que os jovens não namorassem.
Pegou na sua espada mágica, cortou a cabeça ao monstro das mil e uma faces e coroas e libertou toda aquela gente do jugo horrível a que estava condenada. Pediu para abrir as janelas e as portas e convidou todos a sair. Estavam livres e podiam voltar a viver.
Primeiro ninguém se aventurou, pois tinham-se habituado a não ver luz. Depois, aos poucos, alguns foram saindo. Estavam muito pálidos, com ar fraco e olhar perdido. Andavam muito lentos, a arrastar os pés e a olhar para todos os lados, até que sentiram que estavam livres. Tinham-se esquecido do que era a liberdade.
A rapariga abraçou-os um a um e ensinou-os a escutar o coração, a sentir a sua batida e a perceber como é bom apertar, junto ao peito, quem se gosta. E deu beijos e soltou alegrias que subiam no ar como se fossem foguetes. Disse-lhes que ser livre é saber fazer escolhas e arcar com as consequências, que a vida era para viver.
Todos festejavam e cantavam a sua liberdade, a maneira nova de estarem na vida e a morte do bicho que tinha tornado todos reféns. Ouviam-se foguetes e a fanfarra voltou a tocar. Os sons chegavam ao céu e enchiam-nos de cor e satisfação. A alegria soltou-se e dançou-se na rua com os vizinhos e com os amigos.
Um grito surdo e a mãe acalmou a menina. ” Foi um pesadelo, minha filha. Já passou. Vai tudo ficar bem. Volta a dormir que quando acordares a tua vida continua jovem e bela, pronta a ser aproveitada.”
A menina dormiu e voltou a dormir e quando sentiu que já tinha dormido tudo, mesmo que não fossem 100 anos, acordou e olhou à sua volta. Afinal não era nenhum pesadelo nem nenhum sonho apalermado. Era somente a realidade que se vivia em todos os reinos distantes e próximos.
Os rostos que viu eram pálidos e desanimados, os dedos eram apontados a uns que antes eram amigos e a outros por não serem como muitos entendiam que devia ser. Soltou-se o horror, o medo e o pânico tomou conta da situação. Esqueceram-se de ser o mais importante de tudo: humanos.
Por um toque de magia, queria ir para este reino, onde todos se abraçam, se tocam e são felizes!