O que resta de nós

A prisão e os seus prisioneiros será sempre um tópico de exímia conversa. Muitas são as palavras que debitamos sobre o sistema judicial, as penas que são sempre demais ou de menos, a sobrelotação prisional ou a falta de guardas nas prisões que assolam este país.

Temos os nossos próprios julgamentos, as nossas opiniões, todas elas válidas. Porque nos assiste o direito de falar, de opinar e principalmente de agir quando tal se justifica. Vemos, atónitos, as imagens de prisioneiros que fogem e descambam ironicamente numa justiça que sentimos frágil, palpitante, insegura.

Há sempre alguém que tem ou conhece alguém que conhece quem visita um primo, uma irmã ou um pai na prisão. A vergonha alheia também se esconde nos segredos dos vizinhos. É real, palpável, nua e crua e faz parte quer queiramos ou não de uma realidade paralela e muito obscura.

Não se pretende aqui defender ou julgar quem está atrás das grades, mas reflectir sobre a existência do que se sente quando se fecham os portões por longo tempo ou para sempre, talvez, daqueles que escondemos e não conseguimos nem reabilitar ou punir. O sistema é frágil.

Os pensamentos de lá, quando se fecham os portões, não são todos iguais. Há toda uma realidade como uma dimensão paralela de quem tem de continuar a viver consigo próprio. Muitas vezes nada lhes resta porque já não têm nada. São produtos de uma sociedade que também tem o seu lado sombra e que só colectivamente se poderá curar.

As mentes tortuosas continuam ou tornam-se ainda mais tortuosas, há arrependimentos e há quem se consiga vislumbrar e verdadeiramente mudar.

O meio é hostil, os dias iguais, os papéis a desempenhar e que nos definem cá fora deixam de existir. Há que sobreviver, adaptar e confrontar consigo próprio, com as escolhas que não deveriam ser feitas ou que foram porque não havia alternativa e na maior parte das vezes nem se consegue analisar com clareza que caminho tomar. Ou como fugir de quem leva a escolher.

As mentes que entram para dentro das grades permanecem as mesmas dentro delas, na asfixia de um espaço limítrofe. Na tensão, no conflito, no nada.

A prisão é o reflexo das piores escolhas, de quem não faz parte da tribo, das nossas piores vergonhas e penitências. Como em todas as situações uma das únicas formas de sobreviver é não nos esquecermos de nós próprios ou de se olhar olhos nos olhos as piores fragilidades, enfrentar os demónios que exibem as piores vestes e buscar dentro de nós próprios a esperança de que um dia podemos ser melhores.

E nunca esquecer a singela ideia, independente dos nossos julgamentos, mesmo quando o fazemos, porque quem está lá dentro nos magoou seriamente ou a quem amamos: quem está dentro reflecte sempre quem está cá fora.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Os filmes desenham os heróis que faltam na realidade

Next Post

A idiotice não se combate com idiotice

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

Onde encontro ideias?

“De onde vêm as boas ideias?” É algo sobre o qual já todos nos devemos ter questionado em algum momento da nossa…