Austeridade.
Do latim austeritas, diz-nos o dicionário que designa “qualidade ou característica do que é austero”. Diz-nos o senso comum, ou tão somente a conjuntura socioeconómica actual que, mais do que palavra, há já algum tempo que “austeridade” ganhou existência própria e se vem materializando: no aumento de impostos, nos cortes salariais, na diminuição do poder de compra, no aumento do desemprego. Em suma, no empobrecimento do povo português, amarga consequência dessa que se tornou “o pão nosso de cada dia” – a Crise.
Recuemos até 2008. Faltava pouco mais de um ano para as eleições legislativas quando o Governo, à altura liderado por José Sócrates, fez soar o alerta de que a crise financeira estava a chegar a Portugal. No entanto, vozes houve que, na altura como agora, garantiam o início da crise cerca de 8 anos antes. Desde 2001, Portugal estava a crescer a pouco mais de 1% ao ano, um crescimento em muito inferior a outros países da União Europeia, como a Grécia ou a República Checa.
No início de 2010, chegada que estava (para ficar) a tal crise, tem início a ‘saga’ dos PEC. De seu nome completo Programa de Estabilidade e Crescimento, este PEC integra o Pacto de Estabilidade e Crescimento, um acordo entre os países da União Europeia (UE), que visa evitar efeitos nocivos que determinadas políticas fiscais possam ter sobre o crescimento e a estabilidade macroeconómica dos países da UE, em particular aqueles que adoptaram o Euro como sua moeda.
Apresentado em Março, o Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013 (PEC I) previa défices orçamentais de 8.3% do PIB em 2010, 6.6% em 2011, 4.6% em 2012 e 2.8% em 2013. No entanto, não muito tempo depois, por força da desconfiança dos mercados internacionais de que o país conseguiria cumprir os seus compromissos, as metas dos défices foram revistas, dando assim origem ao PEC II (lançado em Maio) e, em Setembro do mesmo ano, o PEC III.
Ainda antes do final de 2010, por declarado fracasso dos três anteriores, havia o povo português ouvir falar do IV, desta feita, o PEC cuja não aprovação, em Março de 2011, levou o primeiro-ministro, José Sócrates, a apresentar a demissão do cargo. “A oposição retirou ao Governo todas condições para continuar a governar”, declarou José Sócrates, aquando do anúncio público do pedido de demissão. Até então, todos os outros PEC haviam sido viabilizados pelo maior partido da oposição – PSD – que sempre evocou o interesse nacional como justificação para a aprovação de medidas tão penosas, quanto impopulares para o povo português. Na prática, todos estes Programas de Estabilidade e Crescimento e as metas orçamentais que preconizavam, confluíam na malfadada palavra – Austeridade – que se foi multiplicando em medidas assentes na subida de impostos, cortes nos salários da Função Pública, congelamento das pensões de reforma, quase como uma “pescadinha de rabo na boca” em que os portugueses se vêem sobrecarregados com impostos, perdem poder de compra, retraem o consumo, o que, por sua vez, origina quebra na produção e, consequentemente, aumento da taxa de desemprego. E o ciclo lá volta ao início.
Austeridade must go on (?)
Portugal pediu oficialmente assistência financeira à União Europeia, aos Estados-Membros da zona do euro e ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a 6 de Abril de 2011, pelas mãos de José Sócrates, que à altura chefiava o Governo de Gestão (as eleições legislativas que levaram o PSD ao governo viriam a realizar-se a 5 de Junho).
Destinada, como se pode ler no site da Comissão Europeia, “a apoiar um programa de políticas para restaurar a confiança e permitir o regresso da economia portuguesa a um crescimento sustentável”, esta assistência financeira internacional “concedeu” ao país um balão de oxigénio de 78 mil milhões de euros, 15% dos quais destinados à recapitalização da banca. No entanto, já o adágio popular o diz, “não há bela, sem senão” e os ‘senãos’ desta restauração da confiança têm gerado mais revolta do que admiração estética.
Ainda antes do pedido de ajuda externa, o Movimento Geração à Rasca convoca aquela que ficará conhecida como a maior concentração popular ocorrida nas últimas décadas em Portugal – cerca de 500 mil pessoas por todo o país e no estrangeiro, garante a organização, saíram à rua. “Uma manifestação clara e inequívoca da vontade das pessoas se oporem à deterioração das condições de trabalho e ao desmantelamento dos direitos sociais”, lê-se no site do Movimento 12 de Março (M12M), grupo criado pelos organizadores depois da manifestação e que, desde então, tem multiplicado as iniciativas de luta pelo “reforço da Democracia”. Depois desta, muitas outras manifestações e greves se sucederam numa evidente personificação do descontentamento nacional contra as políticas de austeridade que, garantem os actores sociais, é causa maior do empobrecimento do país.