Uma das muitas questões que são levantadas com a paternidade diz respeito às amizades dos filhos, sendo uma das principais fontes de preocupação, sobretudo, quando a descendência tende a fazer amizades consideradas nefastas. Muito embora esta possa parecer uma preocupação actual, fomentada por um acesso ilimitado e sem restrições às redes sociais, é uma preocupação que existe, pelo menos, há 200 anos. Os livros de conduta, dirigidos a um público infantil, ou juvenil, davam conselhos morais quanto à melhor forma de orientar as suas vidas, pelo menos desde o século XVIII, alertando para os eventuais perigos da amizade.
O professor Matthew Grenby, da Universidade de Newcastle e especialista em literatura infantil, refere como a amizade era entendida como sendo bastante perigosa. “Os amigos eram aquelas pessoas que poderiam desviá-las dos caminhos rectos, sendo, portanto, prejudiciais quer na sua vida terrena, como também nos seus valores espirituais.” Um livro bastante popular na época, The Governess, escrito pela novelista inglesa Sarah Fielding (1710-1768) e publicado em 1749, advertia para o facto de que “o prazer na amizade pode levar a todos os tipos de erros.” De facto, no século XVIII, a amizade na infância era entendida como algo pernicioso, ao contrário da família, pois esta teria o verdadeiro interesse na criança.

Todavia, o século XIX trouxe consigo a ruptura nesta conceptualização da amizade. De facto, em meados desse século, o tamanho das famílias diminuiu, causado pelo decréscimo do número de filhos por casal. Sem irmãos, a criança foi obrigada a fomentar laços de amizade fora da família. A par disso, com a extensão da obrigatoriedade do ensino até aos dez anos de idade, com o Elementary Education Act de 1880, as crianças foram obrigadas a frequentar massivamente a escola e, com isso, a estreitarem laços de amizade fora das suas próprias famílias.

Mesmo assim, as preocupações persistiram, sendo visíveis nalguns romances infantis editados no século XIX, ou já no século XX, como Tom Brown’s Schooldays (1857) de Thomas Hughes (1822-1896), ou A Fourth Form Friendship (1911) de Angela Brazil (1868-1947). Estes livros, na verdade continuadores da tradição dos livros de conduta, embora em versão romance, continham advertências, ainda que veladas, acerca do perigo das amizades, nomeadamente das que eram consideradas erradas, independentemente de, no final, tudo corresse bem. No caso do primeiro, o herói, Tom, acaba por fazer amizade com Arthur, o rapaz bem-comportado, enquanto que no segundo romance, a personagem principal, Aldred, é salva pela rapariga sensível Mabel.
No seu livro acerca das redes sociais e relações pessoais no século XXI, a professora Deborah Chambers, da Universidade de Newcastle, defende que os jovens continuam a ser ponderados na escolha das suas amizades. Na sua opinião, considera que a sua principal preocupação é a demonstração pública, no caso das redes sociais, nomeadamente no caso de se iniciar uma amizade virtual, ou de a acabar “desamigando”. “Os jovens estão ainda a aprender a etiqueta que é requerida para este novo modelo de amizades virtuais”.
Para os pais preocupados com o círculo de amizades dos seus filhos, nomeadamente nas redes sociais, podem ficar descansados. Segundo Deborah Chambers, a grande maioria dos jovens não estabelece amizade com estranhos, por considerarem as amizades presenciais, cara a cara, superiores. Apenas muito poucos jovens admitem interagir online com estranhos. As suas conexões são essencialmente locais, geralmente com pessoas com que lidam diariamente na escola. Estas relações virtuais são uma nova forma de sedimentar amizades, como em qualquer altura da história se fez, embora de uma forma diferente. Em contrapartida, os jovens com maiores dificuldades em criar amizades na escola têm maior facilidade em criar amizades virtuais com estranhos.