Não me esqueças de mim

Quando tinha por aí uns vinte anos, eu e um grande amigo meu, tínhamos grandes dissertações sobre a noção do tempo. Entre cafezadas e alguns copos de vinho, falávamos de que o tempo é coisa que não existe, que teria sido fabricado ou talvez até não, que era um algoritmo de existência como forma de organização e autocontrolo. Assim seguíamos, por esse tempo fora, cheios de alegria entre conversas filosóficas.

O tempo passou. Hoje sou mãe. E o tempo não me chega. Não sobeja para todos os beijos e para tudo o que quero aproveitar, de forma a estar com a minha filha. Os dias passam e quando olho para trás, dou por mim a pensar que já passaram tantos dias que nem dei conta e que não sei para onde viajaram, não chegam para tudo o que ainda quero fazer.

Neste processo do tempo, que existe mas talvez não exista, entendo que o cliché é real: a vida passa veloz, a correr pela gente, que o equilíbrio não é fácil de conseguir e que os dias que tenho amanhã (se a coisa correr bem), provavelmente serão idênticos em contagem, aos dias que já tive ontem.

O que mais emerge, quando mergulhamos em nós próprios são as questões, não as respostas. Por isso, dei por mim a pensar se nesta questão do tempo que passou terei sido uma boa mãe. E se por outro lado, algures no caminho, me terei esquecido de mim.

A pressão da sociedade é forte: temos de ser boas mães, tarefa que no meio de tudo o que nos é exigido e no meio de tudo aquilo que também queremos ser, surge árdua, numa busca que se torna insana e verdadeiramente caótica. Esquecemo-nos de nós ao longo de todo o processo.

Por isso, as questões surgiram-me. Se nos é exigido culturalmente e emocionalmente que coloquemos o bem-estar dos nossos filhos em primeiro lugar, se quando eles não estão definitivamente bem nós também não estamos bem, não teremos nós de nos colocar num patamar elevado de existência? Será que nos esquecemos de nós? Terei eu me esquecido?

Uma das mais elevadas formas de se caminhar por esse tempo que já não volta, é colocarmo-nos no papel de aprendiz. E ao mesmo tempo perceber que apesar dos obstáculos que nos vão surgindo (e de que maneira, muitas vezes eles são tarefa dura de se carregar) a única forma de andar para a frente é ter hábitos saudáveis, é fazermos por nós, é não nos esquecermos da nossa existência.

Porque o tempo, esse que ainda me indago se é real ou não, corre célere. Os filhos crescem e absorvem tudo o que lhes passamos, tudo o que lhes ensinamos. Aprendem com o olhar que quando cuidamos de nós e temos hábitos saudáveis, essa é a coisa certa a fazer. E nós, enquanto aprendizes e com práticas incontornáveis nas corridas de obstáculos com a vida, também somos mulheres. Logo, melhores mães.

Vou marcar um café com o meu amigo de há vinte anos e que com a passagem do tempo ainda se tornou mais. Vou lhe dizer entre cafezadas que continuo sem saber se o tempo é uma invenção. Que ser mãe realmente é a coisa mais estrondosa que existe. E que todos os dias que passam me digo: lembra-te de ser uma mãe melhor. Não me esqueças de mim.

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