Mitos que persistem

Um amigo dizia-me um dia destes que tinha muito respeito pelo Partido Comunista e pela sua defesa convicta de uma ideologia e forma de vida. O respeito que diz ter pelo PCP é incomparável, dizia, com a desilusão com todos os outros Partidos ou organizações actuais, na sociedade portuguesa. Pretendia dizer, esse amigo, que o valor da defesa de uma convicção é bem mais importante do que as defesas balofas que muitos fazemos de outras convicções, bem menos sólidas, bem menos fundamentadas. O indicador era precisamente esse, a da falta de rigor para o que pensamos e dizemos defender. A falta de coerência, ainda sendo mais evidente.

Pessoalmente, sou totalmente incapaz de ter o mais ínfimo respeito por uma organização tão perversa e prejudicial a uma Democracia, quanto o PCP o é. Para o ser, teria de tentar encontrar réstias de algo positivo em tantas outras personagens históricas, ou regimes do passado, que resultaram no que sabemos, como é o caso de Hitler, Estaline, Mao, Salazar, Franco, Fidel, Mussolini e tantos outros. Teria mesmo de tentar entender os seus pressupostos, as suas prerrogativas mesmo e os paradigmas defendidos. O que me recuso a fazer e limito-me ao conhecimento, à consciência dos factos.

A defesa de um rigor nas atitudes, não é a meu ver, complacente com esse rigor e coerência que têm as piores mentes e personagens da História, como Cunhal que tanto prejudicou Portugal, com o estabelecimento de forças sociais ainda hoje tão negativas, presentes em classes profissionais corporativas e em sindicatos retrógrados.

Todos nós vivemos um qualquer mito, todos os dias ou, reincidentemente. Todos temos alguma convicção que as nossas limitações podem não nos permitir pôr em causa, ou ver de forma distanciada e imparcial. A imparcialidade, aliás, só existe com os outros e não connosco mesmos. Temos nós esses mitos próprios, como os têm sociedades, países inteiros, culturas ou formas de vida, durante anos consecutivos, ou durante séculos, mesmo. Só sabemos serem mitos, quando o seu cumprimento nunca se verifica, ou algo ou alguém nos mostra que o caminho era outro, que um mito se havia constituído, por nunca se poderem cumprir pressupostos e convicções. Porém, mitos há que perduram por séculos demasiados e sem que a coragem humana os consiga reconhecer, ou ainda menos vencer.

Alguns desses mitos são políticos, como o do Socialismo, como o do Liberalismo, o do Racismo (lembrando Hitler e os mitos que defendeu e para os quais arrastou uma nação de gente não propriamente inculta, mas, pelo contrário, um dos povos mais cultos do mundo). Noutras paragens, como a Rússia dos Czares, os mitos foram outros e ainda hoje perduram, porque tudo o que seja a propalada “defesa dos desfavorecidos” encanta e ilude, tantas vezes que até a História se satura de entender. A Venezuela vive hoje mais um mito. Portugal ainda não conseguiu libertar-se dos seus, com a eterna e inútil discussão sobre público e privado, sobre grandes investimentos e grandes empresas e micro-economia, sobre atitudes no trabalho, sobre comportamentos da gestão das empresas e sobre cadáveres ideológicos que persistem em obnubilar-nos a mente, onde se inclui PCP, Bloco de Esquerda e mesmo um PS, falsamente amigo dos mais pobres, falsamente quase tudo. Ainda hoje somos vítimas impreparadas dos disparates tanto de sindicatos, como de banqueiros, de grandes gestores ou de gestores pouco escrupulosos, mas sobretudo de gestão muito mal capacitada e grande responsável pela tão propalada baixa produtividade portuguesa. Já todos sabemos que grande parte da responsabilidade por tão baixa produtividade tem muito a ver com métodos de trabalho em que se insistem, recusando a modernidade e comprometendo a competitividade. Mas têm-no igualmente, a impreparação individual e o rigor que cada um de nós põe no que faz, a exigência e responsabilidade consigo mesmo.

Os mitos que persistem fazem-nos muito mal. Não nos permitem ver outro caminho, porque nem nos permitem uma qualquer outra visão do mundo, mesmo desse mundo tão próximo que é o nosso dia-a-dia profissional. Esses mitos atingem tantos os que lideram, como os que são liderados. Atingem os políticos, mas não todos, pois muitos os defendem apenas por pretenderem manter uma forma de vida ilicitamente conquistada, ou por se comprazerem com um Poder imerecido, ou ainda, tão só, por terem uma satisfação maquievélica com fazer mal a outros, a tantos outros. Não duvido das más intenções de um Lenin, de um Mao, Estaline ou, actualmente, de um Putin. Igualmente, não duvido da lucidez nas más práticas dos nossos sindicatos controlados pelo PCP. Nem com a defesa dos interesses de políticos, basicamente do PS, mas igualmente de alguns do PSD, interesses que muito mais têm de pessoal e muito pouco do interesse comum e nacional.

A defesa dos mitos, tanto o de uma sociedade melhor onde o Estado tudo controle, e tudo negoceie, ou onde o privado é sempre visto com desconfiança e prejudicial, como o de uma sociedade onde se defende e espera que uma qualquer ou regra natural faça surgir os mais fortes a puxá-la para a frente, arrastando os mais fracos num processo evolutivo e de progresso e bem-estar. São mitos, mas são perigosos. Fazem muitos de nós agarrarem-se a ideias nunca provadas ou demonstradas, nunca cumpridas e já vão algumas dezenas de anos, na insistência nos mesmos.

A capacidade de abater tais mitos é cada dia mais urgente e não se vislumbra o fim de tais convicções, ou da sua defesa, nos próximos tempos. Falta-nos visão, liderança e capacidade persuasiva. Contudo, falta-nos, sobretudo, alguém com clarividência suficiente e decisiva, que nos mostre os erros e nos leve, sem pressão, mas convencidos, persuadidos, por novos caminhos.

Em Portugal, andamos há quarenta anos em busca de um caminho, de um entroncamento com a modernidade, de nos encaixarmos no desenvolvimento, que agora parece querer também abandonar uma Europa outrora líder mundial e timoneira de grandes inovações.

No mundo, falta-nos pressionar a queda de tantos mitos e deixarmos de nos levar por antigas e falsas premissas, políticas e religiosas, sociais e mesmo de cariz psicológico. Fomos atrás de convicções erróneas e enganadoras, como as teorias de Freud. Com as correntes marxistas, como os nacionalismos perigosos. E até uma globalização inadequada, ou perseguida pelas vertentes erradas. Construímos um mundo que não entendemos já e que seguramente não sabemos controlar, mas persistimos em mitos que há muito deviam ter caído e a que nunca mais regressássemos.

Teremos ainda de esperar muitos anos, talvez vidas inteiras, pela queda do que mais perverso nos tem assolado…

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