Mergulho no Passado

Subúrbio americano. Um homem em fato de banho entra no jardim de uma vivenda com piscina. Mergulha. Simpaticamente, troca dois dedos de conversa com os donos da casa. Apercebe-se de que, com a recente construção de uma piscina na casa de um vizinho, consegue chegar até à sua própria casa mergulhando nas piscinas de todas as casas da vizinhança.

Estava dado o mote que me levaria, com uma curiosidade não contaminada pela expectativa, a ver uma das obras do cinema americano que mais me surpreendeu nos últimos anos (apesar da antiguidade do filme): Mergulho no Passado (The Swimmer, 1968).

Baseado num conto de John Cheever (que não li), o filme conta com Burt Lancaster como âncora e acabaria por se tornar, na opinião do próprio, no melhor da sua carreira (os problemas de produção levaram-no, inclusive, a pagar do próprio bolso dez mil dólares por um dia adicional de filmagens).

As alegorias, parábolas ou metáforas são formas de passar uma mensagem que, tendo caído tantas vezes no cliché mais ou menos foleiro, me levam a uma exigência maior cada vez que me deparo com uma obra que utiliza estas ferramentas. Assim, é difícil falar sobre Mergulho no Passado sem passar a fronteira deste nível alegórico mas, tendo-me sido apresentado desta forma (pelo Javier, depois de uma aula de espanhol – “Cuidado com este argumento, hem?” – durante uma das conversas que eu sempre esticava, atrasando o regresso ao trabalho), julgo ter sido essa a razão, em parte, para o impacto que o filme teve em mim: uma obra só nos enriquece se, sozinhos, nela conseguimos descobrir algo.

Uma história sobre o modo como nos apresentamos e relacionamos com quem nos rodeia; sobre as piscinas em que mergulhamos nas casas de quem nos acolhe. A imagem que passamos depende sempre do que mostramos ao outro e do que ele conhece de nós. Será que os sonhos que construímos, os que se desvanecem ou os que escondem a realidade em que vivemos, nos permitem encontrar respostas?

When you talk about «The Swimmer» will you talk about yourself?

O filme é poderoso e está muito bem conseguido. Apenas havia visto Burt Lancaster em dois ou três papéis e, à semelhança de em Até à Eternidade, ele volta a fazer uso do porte atlético (mais nesta história) mas tal não nos desvia, em momento algum, da qualidade da sua interpretação e do crescendo em que esta história nos transporta.

Além da curiosidade que me despertou para o conto, este é daqueles filmes que apetece rever passado uns anos, o tempo suficiente para podermos perceber as singularidades que conduzem a um final conhecido de antemão.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

A laje do Lage

Next Post

A Escadaria

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next