Já não temos fome, mãe,
Mas já não temos também
O desejo de a não ter.
Já não sabemos sonhar
Já andamos a enganar
O desejo de morrer”
[Lavava no rio, lavava – Amália Rodrigues]
O fim de um ano é pródigo em balanços e rescaldos.
O início de um ano em desejos e objectivos.
De facto, as 12 badaladas que ditam a transição de ano, são normalmente acompanhadas de 12 desejos. Se não 12 em forma de uvas- passas, então, internamente em forma de sonhos e objectivos que pretendemos alcançar.
Alguns mais universais como paz no Mundo (e em nós), amor, saúde, dinheiro, trabalho (estes dois últimos nem sempre associados) ou o clube do coração ser campeão. Outros mais específicos, relacionados com a circunstância pessoal de cada um de nós, como emagrecer, entrar para um ginásio (estes sim normalmente associados), engordar (acontece), viajar mais, mudar de trabalho, inscrever-se num curso de línguas etc…
No entanto, todos eles derivados da necessidade humana de sonhar. Não o sonhar durante o sono, que também é essencial ao funcionamento do nosso organismo, mas o sonhar acordado.
Realmente, acredito que as pessoas que têm tudo e não precisam de lutar por nada devem ser profundamente infelizes. De verdade. Bem como aquelas pessoas que têm pouco ou nada e desistem de sonhar, simplesmente porque a vida lhes ensinou que não vale a pena, que não nasceram para os alcançar.
Todavia, há aqueles que mesmo tendo “tudo” nunca se contentam – não querendo aqui referir-me ao consumismo/esbanjamento, ou aos fins que justificam os meios. São aqueles que encontram sempre novos sonhos para sonhar. Outro tanto há aqueles que mesmo após inúmeras decepções não deixam de acreditar que tudo um dia pode mudar. São aqueles que nunca desistem.
Realizar um sonho, alcançar um objectivo é sempre – na modesta opinião de alguém que já realizou e alcançou vários – uma sensação agridoce. Não há nada melhor do que conseguir algo por que almejávamos, principalmente quando foi o foco, a determinação e a fé que nos permitiu alcançá-lo. Porém, também não há nada pior do que pensar: “E, então, agora para onde vou?”
Como cantava Amália:
“Já não temos fome, mãe, mas já não temos também o desejo de a não ter”.
Por muito que, por vezes, não o queiramos admitir, o que nos faz mover, sentir e, por isso, viver é a insatisfação. São os sonhos e os objectivos. O “contentamento descontente” que nos dá a estabilidade e o conforto por um lado, mas um propósito de vida e o alento para enfrentar a rotina diária, por outro.
Ano novo é o recomeço de um ciclo. Dá-nos esperança e força anímica para ter vontade de fazer mais e melhor.
Contudo, o estado de graça próprio da passagem de ano não dura o ano todo. Muitas vezes não passa da 00:01. E essa é uma das razões pelas quais muitas das vezes não realizamos os objectivos anuais a que nos propomos.
Diriam, então, na sequência do aqui escrito: “mas então não realizar os objectivos anuais não é por esse prisma afinal bom, porque adia a impressão de vazio subsequente à completude do desejo cumprido?”
A resposta é: Não, porque impede-nos de encontrar novos sonhos para sonhar!