Ponto de exclamação, ponto de interrogação, dois pontos, vírgula, ponto e vírgula, travessão, parênteses, aspas, ponto final, reticências, estão nas nossas frases, nas nossas vidas, fazem tanto por nós, mas raramente refletimos sobre a sua relevância.
Cada sinal de pontuação, no seu devido lugar, ajuda-nos a ler, a entoar o texto quando o lemos em voz alta, a compreender a intenção de quem nos presenteou com aquela combinação única de palavras.
A pontuação ajuda a escrever: o esforço de pontuar corretamente um texto obriga-nos a pensar na divisão entre parágrafos, na estrutura da frase e em como dizer melhor o que queremos. Serve também para dar voz ao texto. Quando escrevemos criamos uma voz e um estilo próprio — a nossa voz literária.
Contudo, mais do que isso, a pontuação é como a vida, os sinais de pontuação são como as pessoas que conhecemos.
Há pessoas que são verdadeiras interrogações, por mais que o tempo passe, não as conseguimos compreender ou então interpretamos tudo errado, e nada ali existe para entender.
Depois, há aquelas que nos espantam, alegram com a sua força e sorriso, mesmo quando a vida menos lhe sorri. Algumas colocam-nos em sentido. São os pontos de exclamação e, tal como acontece nos textos, devem surgir de modo equilibrado.
Os indivíduos «dois pontos» esclarecem-nos, falam connosco, mas nem sempre gostamos do que têm para nos dizer.
O que dizer em relação à vírgula, este útil e complexo sinal? Olho para o mundo e vejo muitas pessoas «vírgula», a acrescentar algo quando faz falta (ou não) e, tantas vezes, a alterar a estrutura fundamental da frase, da vida. Tal como as pessoas, há usos de vírgulas proibidos e obrigatórios. Há pessoas a evitar e pessoas indispensáveis; há que abrir a porta às que nos elevam e apagar as que nos poluem.
O ponto e vírgula é versátil, útil, mas também pode corresponder a alguém demasiado palavroso que diz mais do que o necessário. Quem não conhece pessoas assim?
Gosto do travessão, dos parênteses, das aspas, tal como gosto das pessoas que surpreendem, que dão sal à nossa existência, como aquela citação entre aspas que remata uma ideia.
As pessoas «ponto final» são as definitivas, como os filhos, os amores, a família, os amigos que escolhemos e nos acompanham, às quais ficamos ligados.
Deixei propositadamente para o fim as reticências.
Às pessoas «reticências» falta-lhes a coragem, vivem na expetativa do que podia ter sido e não foi. Pessoas incompletas, que se alimentam de estados emocionais, vítimas da sua própria teia de hesitações. Devemos olhar com especial atenção para estas pessoas três pontinhos, perceber se as podemos cortar sem estragar a frase ou dar-lhes a hipótese de uma nova revisão.
Todos os sinais de pontuação são necessários, tal como as pessoas que passam por nós, mesmo as que não permanecem.
Há aquelas que inovam, quebram regras, vão mais longe, vivem sem reticências, dão outro rosto ao que é normal. Os loucos que acendem o farol. São poucos, mas marcantes. Na escrita, temos José Saramago.
E a sua vida: como é pontuada?
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O que acabei de ler: As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, D. Quixote
Prescrição literária: um livro que nos faz olhar para a imaginação do escritor de forma inovadora. É preciso ler nas entrelinhas, perceber a verdadeira intenção por trás de cada palavra. Recomendo.
O que estou a ler: Orlando, de Virginia Woolf, Livros do Brasil
Prescrição literária: uma leitura emocionante repleta de fantasia, que nos conta a história da vida de Orlando, um jovem nascido na Inglaterra isabelina, que acorda sem aviso num imortal corpo feminino cujo percurso acompanharemos por mais de três séculos, até à modernidade. Reconhecida como uma das mais proeminentes figuras do modernismo britânico, destacam-se entre os seus trabalhos os romances Mrs Dalloway (1925), Orlando (1928) e As Ondas (1931), assim como o ensaio Um Quarto que Seja Seu (1929). Após sucessivas crises depressivas e não suportando o isolamento provocado pelo agravar da Segunda Guerra Mundial, suicida-se a 28 de março de 1941, em Lewes.
O que vou ler a seguir: Pés na Terra, de Raquel Ochoa, Oficina do Livro
Prescrição literária: quando lemos relatos de viagens, transformamo-nos nós próprios em viajantes. E isso não deixará de acontecer com a leitura deste livro, da escritora Raquel Ochoa, que reúne viagens aos cinco continentes, fazendo-nos olhar para o mundo contemporâneo como algo incrivelmente belo, mas também cheio de desigualdades e contradições. As suas experiências (sobretudo como mulher viajando sozinha e enfrentando o risco e o preconceito), as peripécias inesperadas, as provações e o desconforto a par da superação, do deslumbramento e da pacificação — e ainda o relato apaixonado de alguns encontros especiais ao longo da jornada — são o guia ideal para quem queira sair do seu umbigo para o umbigo do mundo, de mochila às costas ou sentado no sofá.
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