Enxugou as lágrimas:
– Não sei como o fazes, sabes sempre o que dizer.
– Chegava-lhe à cintura. Namorávamos um daqueles pores do sol, na praia escondida de julho. Tinha uma curiosidade tão mais crescida que o meu corpo… havia maresia, um horizonte emblemático. O sol andava naquele namoro já conhecido com o mar. Sabes aquela coisa cinematográfica do amor que vai chegando de mansinho, um pé ante o outro, para espetar daquele beijo apaixonado onde se entrelaça a magia e se fundem num sopro? De repente, já está. E o céu colora-se sublimemente. Ocorreu-me, nesse instante: mãe, o que há no mundo?
“– Gente. Há gente para quem o sol é uma dádiva e há gente para quem o sol apenas precede a noite, acaso circunstancioso, um facto. Há gente que dorme de manhã e gente que não aguenta ter vida no cair da noite. Há gente para quem o pai é um herói e gente que escolhe não ser igual ao seu, mesmo que o ame. Há ainda gente que não suporta o pai que tem, gente que não lhe reconhece bondade. E, desta gente, há quem mesmo o abominando, lhe siga as pisadas. Outra gente consegue quebrar o espelho, vem de lá fénix sem reflexo do contexto. Há gente que tem amor e ambiciona um império e, há gente, que tem um império e procura o amor.
Há gente que quer três filhos e gente que não quer nenhum. Há quem não queira ter o coração fora do peito para agarrar todas as aventuras por não se importar se traz mazelas ao seu, gente que tem sede de vida. Há gente que acredita que o destino lhe está escrito e há gente que luta para o escrever. Há gente que quer o mundo na palma da mão e gente que só quer o pedaço da terra onde nasceu. Há gente a quem a dor amansou e gente a quem a dor enraiveceu. Há gente que pinta o vazio a escuro e gente que dá cor ao vazio. Há gente para quem a palavra é honra e gente que não a sabe usar, nem a palavra nem a honra. Mas atenta que as regras da honra mudam consoante as gentes. Há gente que corre atrás do que falta e gente que se habitua a viver com a falta. Há gente que acredita que um dia encontrará e gente que acredita que a vida não é sobre procurar. Há quem veja numa biblioteca o futuro e há gente que o procura em bolas de cristal.
Há gente que guarda as suas feridas e gente que as deixa sarar ao ar, livres. Cicatrizes são histórias. Há gente que só teve um amor, gente que nunca se apaixonou e gente que se desapaixona por se apaixonar mil e uma vez. E em toda a gente há bondade e erro. E toda esta gente será de ti diferente e, pelas diferenças, existirão desencontros. Nos que queres evitar, terás de saber que gente é para lhes atirares a corda precisa.”
– Inquietou-me a resposta dela. É o que há, gente?! Remugi desapontada. Sabes o que me respondeu? Eu digo-te: Não queres conhecer o mundo? Nunca o conhecerás se não lhe conheceres as gentes.