– Vou assear-me que a vida é curta demais para andar porco.
Ainda há um resquício de esperança, pode ser que engula o sabão. É por dentro que está entranhada a mais grossa. Azul e branco, se este não servir não há sabão que salve.
– Sou capaz de demorar. Asseios feitos, vou sentar-me no banco de pau a esperar o diabo.
Que é como quem diz, reencontrar-se. O banco há de ranger de cansaço. Se ao diabo nascido lhe chamarem só de Alberto, de nada lhe serve a má figura com que pintam o anjo mau. Alberto é, aos olhos do próprio, para todos os efeitos – o anjo mau será outro qualquer transeunte.
– Vou montado nas pontas dos pés para não sujar o caminho.
Se Deus não tivesse feito nascer o olfato era capaz de ficar feliz com isto. Há odores que quase se tocam. Este, que julga ir lavar-se, nunca fez questão de me evitar os desgostos, até porque dele brotaram as causas. O que é que leva um imbecil a querer assear-se? Parece-me uma perda de tempo. Nasceu bísaro em espírito, serve de nada a esfrega do corpo.
– Espero que tenhas bucha que me conforte o dia triste.
Em dias tristes não há nada que conforte gente desta, os dias tristes são sempre mais tristes para quem cozinha. Dói-me tanto as mãos dele em mim quanto eu ter aceitado qualquer coisa a que um dia me lembrei de chamar destino. No dia em que mais me bateu, perdi a noção da vida. Ocorreu-me levemente que talvez tivesse tido a decência da compaixão ao deixar-me, a vida. Não foi o meu dia de sorte, estou aqui hoje a aguardar que tenha os asseios em dia. Amanhã já não sei. Nunca sabemos se estamos amanhã. Mas a minha dúvida é palpável, está-lhe sempre nas palmas das mãos, nas pontas das cordas, na sola rija das botas de caça, na fivela do cinto. Porque no banco não se espera ninguém, é onde o diabo se senta.