Dreaming Lucid (Ambar Lucid)
Este álbum é, provavelmente, um dos mais relevantes lançamentos de março. Para quem nunca ouviu falar da sua autora, Ambar Lucid, a estranheza perante a primeira frase é compreensível; no entanto, é praticamente garantido que, após vasculhar cada uma das faixas, a sensação será partilhada.
Por mais desconhecida que (ainda) seja, a jovem de 18 anos que escreveu e produziu todo o repertório contido em Dreaming Lucid é uma grande promessa. A certeza de que ela se tornará uma referência e um nome global é gritante. A maturidade das suas letras, bem como a magia das suas composições melódicas, leva-nos a questionar a sua idade — e a querer saber quem ela é, de onde vem e qual a sua história.
A sua voz e sonoridade são relíquias modernas, atemporais, que parecem vintage e vindas do mundo dos sonhos. A isso junta-se a beleza de ser bilingue, uma vez que, embora resida em Nova Jersey, Ambar é filha de mãe dominicana e pai mexicano. Mistura o inglês com o espanhol, sem pudores; um traço que vem acrescentar um pouco mais de sal e pimenta a uma receita que já estava quase no ponto.
Os destaques deste registo vão para “Eyes“, que relembra Cigarettes After Sex, mas no feminino e sem bateria — uma característica usual nas suas produções; “A letter to my younger self“, talvez o grande momento de Dreaming Lucid; “i hope you” e “Somewhere In Between“. Desde os usos de guitarra, piano, saxofone e dedelhado até às letras comoventes e intrigantes, é difícil ficar indiferente. Ambar sabe cativar, não só pelo poder instrumental e pela sua escrita, mas também pela estrutura musical que tão bem dá às suas canções. Esperemos que este primeiro EP (extended play) seja apenas o começo de uma carreira tão bela quanto a sua música.
Nosso (Branko)
João Barbosa, o “verdadeiro” nome do já aclamado Branko, deu-nos o seu melhor álbum até à data com Nosso. Aliás, é muito provável que este seja um dos lançamentos do ano no cenário português — que vai além fronteiras, indubitavelmente. Depois do seu primeiro álbum a solo, Atlas (2015), o produtor excedeu todas as expectativas, já elevadas, através de um registo colaborativo que beija os nossos tímpanos do início ao fim.
O seu objetivo, publicamente assumido, passa por levar a música portuguesa até a um cenário verdadeiramente global. De facto, o seu repertório é de excelência e faz-nos realmente acreditar nessa possibilidade. A forma — diria que única, em Portugal — como constrói as suas produções, juntando os ritmos africanos e brasileiros à eletrónica, faz de Branko um pioneiro e uma referência de visionarismo.
Nosso está carregado de preciosidades: “Movimento“; “Hear From You” (coproduzido por Sango e com a voz poderosa de Cosima); “MPTS” (coproduzido por PEDRO) e “Agua con Sal” (com a deliciosa participação de Catalina García, dos Monsieur Periné) são apenas algumas. Destaque, também, para os ritmos que relembram o carnaval brasileiro em “Lucuma” (coproduzido por Dengue Dengue Dengue), a participação de Dino d’Santiago em “Tudo Certo” e a de Mallu Magalhães em “Sempre” — sendo esta última uma faixa perfeitamente equilibrada entre o registo de ambos.
A africanidade da música de Branko está bem viva e recomenda-se; sobre o elemento dançável pode dizer-se exatamente o mesmo. Nosso eleva a carreira de João Barbosa até a um patamar que não será fácil de manter. Trata-se de um álbum absolutamente imperdível, carregado de complexidades rítmicas que, diga-se, podem acabar discretas porque quem ouve está demasiado consumido/a pela vontade de perder-se no som.
No Words Left (Lucy Rose)
Depois de Something’s Changing (2017), é difícil ouvir o mais recente disco de Lucy Rose e partir para a conclusão de que é o seu melhor álbum. Felizmente, como essa comparação não tem que acontecer, muito menos em duelo, basta concluir que No Words Left é um disco que vale muito a pena. Mantém o registo simples que sempre reconhecemos à artista, mas atinge o ponto mais intimista da sua carreira.
No Words Left é um álbum visual: foi integralmente carregado para o YouTube, numa sequência que respeita o alinhamento, com direito a vídeo para todas as faixas. Aparentemente, estes também foram gravados numa espécie de sequência, apresentado sempre a mesma estética, a preto e branco.
“Solo(w)” é um dos destaques — it’s not like me to stand up and leave, but I thought I was free (…) ‘cause something’s missing when I am solo, so low, solo, so low —, com o seu piano intimista, saxofone e um clímax que assenta que nem uma luva. “Treat Me Like A Woman“, cujo vídeo apresenta Rose com o cabelo totalmente em frente da cara, como na capa do álbum, também é um dos grandes momentos do disco. Talvez o significado desta imagem, associada à faixa em questão, vá ao encontro da descaracterização que a artista sente quando não é tratada como acha que merece, ou das inseguranças que a fazem duvidar do seu propósito. Felizmente, segundo o que ouvimos na penúltima canção do alinhamento (“Pt.2“), Rose está decidida a colocar-se em primeiro lugar (This time I’m looking out for me, and I won’t hesitate, you believe it).
As inseguranças e um certo sentido de jornada sem rumo também são explorados em temas como “The Confines Of This World” e “Song After Song” — Maybe I’m not as good as the girl I hear next door, I hear her now, oh she’s playing her guitar. Este tipo de composição fazem de No Words Left um disco sem artifícios, genuíno, que explora a entrega vocal de Lucy Rose como nunca. Mostra-a como ela é: simples e doce, mas complexa na sua forma de percepcionar o mundo e de fazer música dentro dele.