Dizer o óbvio ainda é dizer: Vozes pelos 17 activistas angolanos

Fórum Lisboa, 5 de Maio, 21h30m.

Apesar de a chuva miudinha convidar ao recolhimento, mais de 500 pessoas reunidas para dizer e ouvir. Outra vez.

Estamos aqui para dizer o óbvio, porque pouco mudou para melhor”. Foi desta forma que o músico Pedro Coquenão iniciou a sua intervenção, a primeira da noite.

Em cada um dos assentos o panfleto e a síntese: “Em defesa dos direitos políticos e pela libertação dos 17 ativistas angolanos”.

Em causa a condenação, por muitos tida como ilegal, de 17 activistas angolanos por actos preparatórios de rebelião e associação criminosa, aos quais foram atribuídas penas entre dois anos e três meses e oito anos e seis meses de prisão efectiva. Num atabalhoado processo judicial, o Ministério Público angolano deixou cair outra acusação que pairava sobre os jovens, a de actos preparatórios para um atentado contra o Presidente José Eduardo dos Santos, indiciando-os em sede de julgamento por um crime novo, o de associação de malfeitores, não tendo sido dada à defesa oportunidade de se defender quanto a esta nova acusação.

Na origem do processo, os encontros promovidos por jovens vozes críticas do regime vigente em Angola, que se reuniam para falar sobre liberdade e democracia. No dia 20 de Junho de 2015 esse grupo de jovens foi surpreendido e detido pela polícia de Luanda. Um dos argumentos para a detenção dos activistas foi estarem em posse do livro “Da Ditadura à Democracia” de Gene Sharp, material com o qual alegadamente se preparavam para efectuar um golpe de estado e derrubar o presidente. Contudo, de acordo com o próprio autor da obra, esta “não tem mesmo nada a ver com golpes de Estado, é uma obra sobre formas pacíficas de mudança (…) só é subversivo para as pessoas que defendem ditaduras”.

Entre os detidos estava Luaty Beirão, o luso-angolano que chamou a atenção do mundo para a situação dos jovens através de uma prolongada greve fome de 36 dias. Com a maior exposição mediática do caso, surgiram várias manifestações de solidariedade para com os activistas e foram criados movimentos com o intuito de engrossar as vozes de protesto e pressionar Luanda para a libertação dos jovens, tidos como presos políticos. Até ao momento sem sucesso.

Na noite chuvosa de 5 de Maio de 2016 em Lisboa, o movimento que se intitula como “Em defesa dos direitos políticos e pela libertação dos 17 activistas angolanos”, subscrito por mais de 200 personalidades, veio erguer o punho para gritar “Liberdade já”.

Pedro Coquenão, o primeiro orador da noite, realçou que mencionar a dupla nacionalidade ou mesmo a nacionalidade dos jovens é desnecessário e irrelevante. O músico satirizou o presidente angolano José Eduardo dos Santos, tido como o rosto de uma Angola opressiva, antidemocrática e indiferente aos direitos humanos.

Barbara Bulhosa, editora e organizadora do evento, lembrou as inúmeras conversas que teve com Luaty Beirão, em que este lhe manifestou a importância do apoio da sociedade civil portuguesa, a onda de amor que sentiu e que gostaria que se mantivesse. Neste mesmo dia foi anunciada nova greve de fome, de silencio e nudez, por parte de Luaty pelo que, reforçou a editora, mais do que nunca este carinho é necessário. Barbara fez questão de repetir a expressão “presos políticos”, lembrando que a sua existência não faz sentido numa democracia. “O que estes rapazes fizeram foi mostrar que as máscaras acabam sempre por cair”, finalizou.

A irmã de Luaty, Serena, também esteve presente na sessão e clarificou as razões para esta nova greve do irmão, que terá sido transferido contra a sua vontade para o Hospital Prisão de S. Paulo, onde alegadamente terá melhores condições do que aquelas que tinha na Comarca de Viana, o que para além de lhe conferir um tratamento privilegiado em relação a outros presos, o impede de denunciar as graves violações de direitos humanos básicos que se verificam naquele cárcere.

Ricardo Sá Fernandes centrou-se na parte jurídica e nas questões de ilegalidade que terão contaminado todo o processo, notando ainda que o texto da sentença continua indisponível em Portugal e sem deixar de referir que o problema na sua base não é jurídico, mas sim político e social. O advogado destacou o flagelo da pobreza angolana, inadmissível num país rico, onde a riqueza se encontra por completo nas mãos de uma pequena elite. Disse ainda que a discussão e discordância politica são uma “expressão salutar de liberdade numa sociedade que ainda está viva.

Marisa Matias iniciou desta forma a sua intervenção: “Não vou explicar as razões porque estamos aqui. Sabemo-las”. Efectivamente foi disso que se tratou, dizer o óbvio, mas dizê-lo mais alto e dizê-lo com o maior número de vozes possível. Marisa elogiou Ana Gomes, sentada na 1ª fila, “a quem muito devemos no Parlamento Europeu”, onde tem sido feita uma oposição clara ao que estão a ser sujeitos os “presos políticos” em Angola. Naquela que foi a intervenção mais aplaudida da noite, a eurodeputada do BE afirmou ainda que temos mesmo a obrigação de nos mobilizar pela causa dos 17, porque em outros tempos também dependemos de outros para lembrar que em Portugal se vivia uma ditadura. Marisa lembrou ainda como esta situação constitui um ultraje à memória dos combatentes do MPLA que lutaram eles próprios contra a opressão, “convertendo a sigla do partido no carcereiro do próprio movimento de libertação”. Entre outras afirmações Marisa Matias lembrou que “Os presos políticos representam o melhor espirito da génese do MPLA”, que “Angola é um país independente, mas falta-lhe ser um país livre” e que “Um país que oprime o seu próprio povo nunca será um país livre”, arrancando fortes aplausos da assistência. “Não há nada mais parecido com o opressor de direita do que o opressor de esquerda”, atirou em jeito de conclusão.

Já a deputada Isabel Moreira fez questão de ressaltar as diferenças entre “esta noite de 5 de maio da do dia 31 de Março, quando o parlamento foi o parlamento errado. O dia em que os dois votos que vinham no sentido desta iniciativa foram chumbados pelo CDS, pelo PSD e pelo PCP”. A deputada lembrou ainda que “estamos aqui reunidos porque entendemos que os direitos humanos nada têm a ver com ingerência na política interna de um outro Estado soberano. Estamos aqui reunidos porque 17 jovens foram presos por exercerem a decorrência da decência, essa que não pode permitir que a liberdade de reunião, de expressão, de consciência, afinal o direito de existir como pessoas inteiras acabe numa cela e não no espaço comum à universalidade dos direitos”, arrancando aplausos da plateia.

Ricardo Araújo Pereira também foi fortemente aplaudido ao ler um texto irónico e corrosivo de sua autoria, onde classificou o livro encontrado na posse dos activistas como armamento de guerra. “É um daqueles livros que mudam a vida do leitor”, disse com o humor que lhe é característico. Sem dúvida mudou a vidas dos 17.

O rapper Riça JL encerrou a sessão pública já em cima das 23h, desafiando a plateia a erguer o punho e a voz, gritando “Liberdade já! Liberdade já! Liberdade já!”

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