Devias ter sido o primeiro amor da minha vida!
Sim, devias ter chegado antes de todos os outros, quando ainda acreditava nos sonhos e não me escondia por entre as crueldades da vida. Se tivesses chegado quando a criança, que ainda sou, sonhava com as cores da vida e via nas flores a pureza do amor tudo poderia ter sido mais fácil. Não teria tantas marcas de sofrimento, nem rugas profundas desenhadas pela vida. Não culparia o destino por tudo o que vivi, quando na realidade a maioria dessas rugas foram paridas por dores que são o resultado das escolhas erradas que fui fazendo e não porque tudo se conspira contra mim como sempre pensei.
A criança que foi, e que nunca deixarei de ser, não desconfiava de tudo, ela apenas sabia amar e não perdia tempo para se questionar. A mulher em que me tornei, e para quem agora olhas, defende-se de tudo ainda antes mesmo de alguém ousar pensar em atacá-la. Esconde-se do mundo por que vê a maldade nos olhos dos desconhecidos com quem se cruza nas ruas da vida que alguém lhe entregou e que ela tem que viver, por vezes, quase como se fosse uma obrigação.
A criança que fui era feliz com pouca coisa e nem sequer sabia o significado da palavra felicidade. Essa palavra não constava dos livros em que a professora, que não sabia sorrir, lhe ensinou a ler. Respirava o ar puro dos campos por onde se passeava e o chilrear das aves era bem melhor do que a melhor das sinfonias que alguém pudesse escrever. A mulher em que me tornei, e para quem agora sorris, procura pela felicidade nos cantos apertados dum mundo que lhe exige que seja melhor do que todos os outros à sua volta e talvez por isso mesmo tenha desacreditado do amor e encontre defeitos em todos aqueles com quem se cruza no seu atribulado dia-a-dia.
Devias ter aparecido antes de tudo para me ensinares a amar como se fosse sempre a primeira vez! Será que para amar devemos deixar de olhar para trás procurando semelhanças entre quem nos estende os braços e quem nos abandou na berma de uma estrada sem nos perguntar se ficávamos bem ali. Será que podemos voltar a amar com a inocência da primeira vez depois de termos um coração repleto de feridas que contam a nossa história de vida. Poderá alguém amar-nos sem nos questionar sobre o passado, passando assim ao lado de tudo o que ainda nos dói quando a saudade nos transporta ao que já vivemos e ninguém poderá apagar.
Tantas perguntas para as quais não encontro respostas e que me atormentem a mente que tenta, por vezes, impedir-me de te amar, mesmo sabendo que poderás ser a peça perfeita. Poderá ser a única peça que encaixa neste puzzle em que o sofrimento tem rendilhado a alma que já quase não acredita na vida.
Sabes, estou cansada de sonhar. Estou cansada de ouvir a razão, lá de cima com a sua superioridade, a lembrar-me de que o amor para mim sempre esteve à distância de um abraço que nunca me aqueceu a alma. Uma vida inteira em que o amor nunca se aproximou e em que foram as ilusões, a que dei nome, que me fizeram sonhar com o amor estava ao meu lado. Foi essa fantasia que alimentei que matou a fome à minha ilusão. Será que estás preparado para amar quem carrega um passado cheio de dores e que não a que sabe o que é um amor de verdade.
Sempre caminhei nesta floresta negra e um dia tu chegas com esse sorriso simples e ligas a luz que me permite ser que a felicidade existe, mas, mesmo assim, tenho medo de amar e voltar a sofrer. Tenho receio de que este primeiro amor tenha chegado atrasado e não entenda por que razão me defendo antes me atacarem. Tenho medo de que me olhes e penses que estou a fugir de ti quando apenas tento ler nos teus olhos o que o coração não diz.
Agora, que sinto o sabor do amor nestes lábios que beijaste sem que nada me tenhas prometido entendo que sem amor a vida não faz qualquer sentido e apesar de tudo continuo a ter medo. Só que desta vez tenho medo de não ter tempo suficiente para te amar com a intensidade de um primeiro amor. Tenho medo de te amar com a calma da idade, que contraria a razão dizendo-lhe que o amor de verdade existe quando alguém nos ama pelo que somos e não pelo que vivemos.