Donald Trump fez toda a sua campanha, tanto para o primeiro mandato como para o segundo, com o slogan Make America Great Again. Toda a campanha do MAGA assentou na defesa da expulsão de imigrantes ilegais e da imposição de tarifas a produtos estrangeiros. Para o apoiante de Trump, isto parecia resolver os problemas que o país enfrentava, porque iria tornar o país mais respeitado, no plano internacional, e trazer prosperidade nacional. Como uma fórmula mágica.
O preço do retorno da tão almejada promessa, contudo, é pago pelos próprios norte-americanos.
O impacto real destas políticas, nomeadamente das tarifas, levanta questões mais complexas sobre quem, de facto, paga os custos dessa tão prometida grandeza.
Não por acaso, este cenário de tarifas é chamado de guerra comercial, porque estas mesmas tarifas são aplicadas em função de objetivos políticos, como o enfraquecimento económico dos adversários dos EUA, enquanto se tenta uma revitalização da economia norte-americana, através da abertura de unidades de produção no seu território. Assim, se uma empresa abrir uma fábrica nos EUA, as tarifas são desconsideradas ou menores.
Segundo os dados do Pew Research Center, esta vitória foi alcançada mediante um apoio etnicamente diverso (latinos, afroamericanos, asiáticos, entre outros). É interessante notar que entre os latinos Trump conseguiu 48% dos votos desta população e 40% dos votos de pessoas de origem asiática.
Donald Trump conseguiu mais votos entre a população branca, independentemente de ser homem (59%), especialmente entre aqueles com idades inferiores a 50 anos, ou mulher (51%); protestantes (62%) e católicos (55%). Do ponto de vista do tipo de população, os votos vieram principalmente da população rural (69%) e suburbana (47%). Do ponto de vista económico, são pessoas com nível de rendimentos médios (51%).
A divisão do eleitorado entre rural e urbano é interessante. Jason Stanley, em Como funciona o fascismo: A política do nós contra eles, argumenta que a divisão entre as comunidades urbanas e rurais tem sido amplamente explorada por políticos de extrema-direita. Primeiramente, porque as comunidades rurais são vistas como a corporização dos ideais da «nação», através da preservação dos valores tradicionais; mas também porque exploram uma divisão campo/cidade, na qual as pessoas da cidade são percebidas pelas do campo como o expoente da decadência moral e da preguiça.
No entanto, mais do que idealismo, numa economia globalizada, o crescimento económico é mais visível nas cidades do que no campo. E esta diferença tem impactos reais nas vidas das pessoas, nomeadamente, na qualidade de vida, no acesso a serviços, mas, também, nas oportunidades de emprego.
Durante a campanha, Donald Trump fez campanha com frases como «A China vai pagar as tarifas». Em boa verdade, quem paga as tarifas aplicadas aos produtos estrangeiros são os norte-americanos. A ideia por detrás da aplicação das tarifas, defendia a administração norte-americana, era a de que estas eram necessárias para pôr a «economia americana, o trabalhador americano e a segurança nacional em primeiro lugar», devido a uma descompensada e injusta balança comercial.
Por mais apelativas que sejam as narrativas em torno dos benefícios das tarifas, é necessário reconhecer que se trata de impostos sobre bens importados, sendo uma das medidas que as políticas protecionistas usam. Durante o período mercantilista, esta foi a forma encontrada para, por um lado, estimular a procura interna por produtos produzidos nos países coloniais, como o Reino Unido, a França ou Portugal, tornando os produtos estrangeiros mais caros. Por outro lado, estas medidas foram combinadas com incentivos aos produtores nacionais para produzirem esses mesmos bens.
Deste modo, a tarifa é um imposto aplicado a um bem/serviço produzido no estrangeiro, mas pago por quem o está a adquirir. Quando Trump aplica uma tarifa de 34% sobre produtos chineses, os produtores da China não são diretamente os que pagam essa tarifa. Na prática, ela é paga pelos importadores norte-americanos, que normalmente passam esses custos aos consumidores, resultando em preços mais altos.
As consequências das tarifas já são sentidas nas famílias norte-americanas. Apesar das empresas norte-americanas absorverem parte dos custos das tarifas, algumas até armazenando e comprando materiais antes da implementação das tarifas, o mercado imobiliário torna-se cada vez mais caro, num país onde cerca de 770 000 pessoas são sem-abrigos e onde cerca de 75% das famílias não conseguem adquirir uma casa nova.
Nos supermercados, também já se sente o aumento de preços de produtos como carne, vegetais ou frutas, com as famílias mais pobres, e algumas da classe média, a sentirem a pressão no seu orçamento doméstico. As consequências sentem-se inclusive nas escolas, onde algumas crianças vão às aulas sem terem tomado o pequeno-almoço, não porque não queriam, mas porque os pais não têm dinheiro suficiente.
Num país caraterizado pela dependência de seguros de saúde para acesso aos cuidados básicos de saúde, são esperados aumentos nos prémios destes seguros que variam entre 13% e 113%, dependendo do número de pessoas no agregado familiar e do rendimento anual. Cerca de 50% dos norte-americanos carregam dívidas relacionadas com despesas médicas. É esperado que cerca de 22 milhões que beneficiam do Obamacare, um plano que torna os seguros de saúde mais acessíveis, especialmente para aqueles com menos rendimentos, fiquem sem acesso ao mesmo, em virtude do esperado corte no financiamento governamental a este plano. Para 4 milhões de pessoas, estes cortes significam ficar sem cobertura alguma.
As tarifas aplicadas aos produtos estrangeiros podem aumentar a coleta de impostos no curto-prazo, mas, como destaca a Tax Foundation, o custo representa uma redução do crescimento económico, impactando as famílias e empresas através do aumento dos preços e de uma menor disponibilidade de produtos aos consumidores.
O uso agressivo das tarifas, numa tentativa desesperada para restaurar uma nostálgica ideia de um passado glorioso, condena norte-americanos à pobreza. The Budget Lab (Yale) estima que o número de norte-americanos em situação de pobreza aumentará em mais 875 000 pessoas (das quais 375 000 são crianças), a acrescentar aos 36 milhões que já estão nessa situação.
O custo de tornar a América «grande novamente» é uma equação de soma negativa para a maioria da população, inclusive para aqueles que votaram em Donald Trump. Sondagens mostram que, entre o seu eleitorado, 1 em cada 4 pessoas afirma que está arrependida de ter votado em Trump. De um modo global, incluindo quem não votou nele, 54% desaprova o desempenho deste presidente.
Mesmo para aqueles que esperavam um mercado de trabalho mais dinâmico pela deportação de imigrantes, as promessas de Trump continuam longe de se concretizarem.
Conforme os dados de 2022, existiam 11 milhões de imigrantes ilegais nos EUA, representando 3,3% do total da população. O American Immigration Council estima, numa análise conservadora, que o custo da deportação em massa de todos os imigrantes ilegais ascenda a 315 mil milhões de dólares, além de uma redução de 4,2% no PIB. Estes dados incluem as despesas com a detenção e o repatriamento, mas também o impacto da ausência desta população no mercado de trabalho, no pagamento de impostos ou no consumo. Com setores económicos com uma proporção de imigrantes significativa, como a construção (~14%), serviços de limpeza doméstica (~25%) ou classificadores, o seu desaparecimento pode desencadear problemas em diferentes empresas por escassez de mão de obra e, consequentemente, o encerramento de alguma. Isto é, aumento de desemprego, que também afetará norte-americanos.
A América de Trump é um claro exemplo de que as promessas populistas assentam numa narrativa sedutora, mas profundamente enganadora. Levantar muros e tarifas não traz a tão desejada prosperidade. O que se poderia considerar como um plano revitalizador de uma economia que agoniza não passa de um plano que empobrece quem produz, apontando falsos culpados de modo simplista. Make America Great Again não é um projeto de reconstrução, mas uma recusa, consciente ou não, em aceitar um deslocamento de poder do Ocidente para outras geografias.
O MAGA, sob o pretexto de restaurar uma grandeza perdida, cria mais riqueza e ergueu muros, físicos ou não, entre norte-americanos. Não é um fortalecimento económico, mas o medo transformado em política e o isolamento como estratégia económica.