A capacidade humana de se expressar através das palavras, de um código por nós mesmo inventado é algo fenomenal. De acordo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa escrever é: “1. Pôr, dizer ou comunicar por escrito; 2. Encher de letras; 3. Compor, redigir; 4. Ortografar”, mas todos sabemos que o verdadeiro significado da palavra “escrever”, de tudo o que ela representa para quem a usa no dia a dia com verdade e paixão, nenhum dicionário conseguirá alguma vez registar.
Como mãe de duas meninas na fase inicial de alfabetização fico deslumbrada como os objetos, os sentimentos, enfim, tudo o que as rodeia vai começando a assumir uma forma escrita, um registo, numa aprendizagem que as acompanhará ao longo da sua vida.
É impressionante o que a “simples” combinação de vinte seis símbolos consegue fazer. A escrita assume-se como uma ferramenta de trabalho, uma arma, uma arte, uma forma de terapia e de expressarmos tudo o que está dentro e fora de nós. Essas vinte e seis letras, agrupadas em frases, parágrafos, capítulos, livros, conseguem levar-nos tão longe. Para o bem e para o mal.
Num dos meus mais recentes momentos de aprendizagem constante neste mundo da escrita e das palavras, aprendi com um excelente comunicador e profissional de nome Augusto Uchoa — um dos meus palestrantes convidados no âmbito de uma formação online que dinamizo — três conceitos, que inconscientemente já utilizava, mas que explicados de forma clara e objetiva mudaram a minha forma de escrever. Falo de ETHOS, LOGOS e PATHOS, da Retórica de Aristóteles.
Sim, Aristóteles continua a influenciar e a inspirar a nossa escrita não só de ficção, mas também na criação de conteúdos digitais ou apresentações, como as famosas TED TALKS.
Escrever ou falar em público, tendo como base os três pilares da retórica, o Ethos, Logos e Phatos eleva a nossa comunicação a um outro patamar. Senti isso e acredito, que vai sentir o mesmo, a partir do momento em que colocar estes conhecimentos em prática.
O que são estes três conceitos e como utilizá-los?
Não vou entrar em dissertações profundas sobre Aristóteles ou o seu livro, Poética. Vou ser direta, pois é minha intenção que comece a utilizar (se é que já não utiliza, claro!) estes princípios de imediato após a leitura deste artigo e alcance assim, uma comunicação mais eficaz.
Começo por dizer-lhe que a palavra ética deriva do grego éthos. Neste contexto, Ethos está relacionado com o seu mérito, a sua autoridade numa determinada área, a sua experiência profissional, a sua moral. Quando está a escrever, por exemplo, um artigo de opinião é a parte em que menciona as suas credenciais, o seu percurso académico, as suas conquistas mais terrenas. Ethos é falar sobre o que lhe compete.
Se o Ethos está relacionado com a ética, o Logos, de acordo com Aristóteles é o argumento da razão e do conhecimento racional, que não depende de si, do seu esforço. Por exemplo, incluir no seu discurso ou texto, dados estatísticos, mencionar as fontes que lhe serviram de base.
Por fim, temos o Pathos, o apelo emocional. É com o Pathos que nos conectamos com o Outro, que geramos empatia. A sua opinião é Pathos. O Pathos é escrever, comunicar com paixão, diretamente do nosso coração ao coração do Outro. É a forma mais genuína de usarmos aqueles vinte e seis símbolos, de conseguirmos transformar quem nos lê, através da criação de momentos de fruição das palavras, da partilha do saber ou de uma emoção positiva ou negativa. O Pathos não deixa ninguém indiferente.
A nossa comunicação é perfeita quando consegue unir estes três pontos. Todavia, existe uma “fórmula mágica”, que ao ser ignorada, deturpa todo o impacto desta estrutura.
Comece com Logos, termine com Pathos. Experimente utilizar os três conceitos nesta proporção: 25% de Ethos, 25% de Logos e 50% de Pathos. Este é o equilíbrio perfeito entre conhecimento, razão e coração. Ao apostar em demasia no Ethos, está simplesmente, a dar voz ao seu Ego; se o Logos estiver em excesso corre o risco do seu conteúdo tornar-se enfadonho e o seu leitor perder o interesse. Se excedermos no Pathos pode não conseguir atingir o seu objetivo; não ser levado demasiado a sério.
A magia está neste equilíbrio difícil de alcançar num mundo repleto de vaidades, egos desmedidos e falsidades, em que muitas vezes até os dados aparentemente mais credíveis nos podem enganar. Só o coração conhece o verdadeiro caminho. Só o coração percebe a verdade, quando bem orientado pela razão e pela solidez convicta de quem segura a caneta.
Escreva com paixão. Sempre. E lembre-se…
Uma palavra escrita é semelhante a uma pérola.
– Johann Goethe
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O que acabei de ler: A História de Uma Serva, de Margaret Atwood, Bertrand Editora.
Prescrição literária: Margaret Atwood afirma que as suas histórias são ficção, mas que poderiam acontecer realmente, em qualquer parte do mundo. É uma afirmação poderosa, simultaneamente assustadora. Que nos sirva de alerta. A História de Uma Serva é um dos livros mais influentes e mais lidos da atualidade, uma narrativa que nos prende do princípio ao fim, onde extremistas religiosos de direita derrubaram o governo norte-americano e queimam a Constituição. A América transforma-se em Gileade, um estado policial e fundamentalista onde as mulheres férteis, conhecidas como Servas, são obrigadas a conceber filhos para a elite estéril. Quer saber mais? Faça como eu e a seguir prepare-se para querer saber mais…
O que estou a ler: Os Testamentos, de Margaret Atwood, Bertrand Editora.
Prescrição literária: A sequela de A História de Uma Serva, o livro mais desejado, para quem conheceu a realidade assustadora de Gileade. Quinze anos depois de A História de Uma Serva, o regime teocrático da República de Gileade mantém-se no poder, mas há sinais de que nem tudo está bem.
É neste momento, que os percursos de três mulheres totalmente diferentes cruzam-se com resultados imprevisíveis. Duas cresceram em geografias diferentes, separadas por uma fronteira: uma, a filha privilegiada de um Comandante de alta patente, em Gileade, e a outra no Canadá, onde acompanha tudo o que acontece no país vizinho Às suas vozes, junta-se a voz de uma terceira mulher, um dos carrascos do regime de Gileade, cujo poder se baseia nos segredos que foi reunindo ao longo da vida. São estes segredos, que irão aproximar estas três mulheres, forçando-as a aceitarem-se e a defenderem as suas convicções mais profundas.
O que vou ler a seguir: 1984, George Orwell, Antígona.
Prescrição literária: E porque não continuar no universo das distopias? E 1984 é o livro ideal! Esta obra proporciona-nos uma descrição quase realista do extenso sistema de fiscalização em que passaram a assentar as democracias capitalistas. A eletrónica possibilita pela primeira vez na história da humanidade, reunir nos mesmos instrumentos e nos mesmos gestos o trabalho e a fiscalização exercida sobre o trabalhador. O Big Brother deixou de ser uma figura de estilo — transformou-se na nossa realidade.
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