Quando seguimos pelos variados festivais de cinema do Mundo, é impossível não pararmos no mais mediático e, provavelmente, o maior de todos eles, o Festival de Cannes, e foi com a 68ª edição que rumei em busca desse encontro. Obviamente quem está habituado a cobrir festivais cinematográficos portugueses, o Festival de Cannes é outra dimensão, um mundo aparte que funciona toda uma utopia da 7ª Arte. Pois, é que a cidade costeira não só recebe o certame mais competitivo do ano, mas também outras secções paralelas, desde a Quinzena de Realizadores até à Semana da Critica, passando pelo Marché du Film, Mercado do Filme em bom português, onde os maiores negócios da indústria cinematográfica são decorridos lado-a-lado com a tão cobiçada gala de estrelas.
Pois bem, é que Cannes é muito mais que tapete vermelho, que estrelas a pavonear entre os fotógrafos, ou multidões ansiosas por conhecer cara-a-cara os seus ícones do grande ecrã, o Festival de Cannes é também uma corrida contra o tempo para qualquer jornalista e muito mais para os críticos de cinema, tão desejosos por oferecer ao Mundo as primeiras visões de algumas das mais esperadas produções.
Depois de exaustivos 12 dias, estou pronto para vos dar em “primeira mão” o que de bom, de mau ou até revelador vem de Cannes até ao nosso país (esperemos nós).
Categoria: Ouro
Miguel Gomes mostrou toda a sua “raça lusitana” durante a Quinzena de Realizadores, com a sua trilogia As Mil e uma Noites. Baseado no famoso conto persa, onde uma bela jovem, para escapar à morte, tem que entreter o rei com histórias mirabolantes, neste caso com relatos absurdos de um país que sofre com a austeridade e má gestão dos seus governantes, os belzebus, como a certa altura são referidos, intitulado de Portugal. Todos os três filmes (O Inquieto, O Desolado e O Encantado) corresponderam às expectativas do hype meticulosamente imposto pelo realizador de Tabu e de Aquele Querido Mês de Agosto e a contar pela opinião de grande parte da imprensa internacional muito antes dos primeiros visionamentos, As Mil e uma Noites era a obra mais antecipada em Cannes.
Depois dos visionamentos uma coisa é certa, Miguel Gomes construiu uma obra-prima, há muito não vista no nosso panorama cinematográfica. Um projecto erguido com revolta e muita sátira ao rumo que o nosso país parece caminhar, ao mesmo tempo relança a “portugalidade” dessa mesma nação.

Outra grande obra que podemos esperar de Cannes é Saul Fia (O Filho de Saul), do estreante cineasta húngaro László Nemes. O vencedor do Grande Prémio de Júri é uma autêntica adversão aos lugares-comuns impostos pelo cinema ambientado no Holocausto. Aqui, sob uma câmara que dificilmente descola do protagonista, o espectador é inserido numa descida aos “infernos”, um retrato tenso e perturbador que nunca invoca o explícito, mas investe numa jornada em busca da humanidade restante em cenários desoladores, um pouco como uma alusão à filosofia incutida por Primo Levi no seu best-seller, Se Isto É um Homem. Em Saul Fia, seguimos um membro do Sonderkommando, judeus encarregues de “trabalhos sujos” no campo de concentração de Auchswitz.

O cineasta Jia Zhang-Ke também esteve em grande com o seu Mountains May Depart, um filme que salienta a identidade chinesa e adverte o seu desaparecimento num futuro próximo, utilizando como simbolismo uma história decorrida em três décadas diferentes que começa num trio amoroso e termina numa distopia absurda, mas hiperbolizada nos sinais actuais. Um filme obrigatório para todos os chineses e um “must” para todos nós.

Na secção Un Certain Regard, surgiu-nos o filme choque, Las Elegidas, um retrato ambíguo de uma rede de prostituição infantil no México. A história tem como “engodo” um romance adolescente para depois evoluir como uma entrada directa a um submundo exercido por efeitos sugestão de David Pablos (o realizador). O público de Cannes demonstrou-se chocado perante esta desventura, um problema que o México tenta, sobretudo, esconder dos demais. Visto que dias antes de dar inicio o Festival de Cannes, uma notícia corria Mundo, o Ministério do Turismo do México havia pago quantias enormes à produção do novo filme de James Bond, para não passar qualquer imagem que comprometa o país durantes as cenas decorridas neste.

Categoria: Prata
The Lobster, a nova distopia do cineasta grego Yorgos Lanthimos (Canino), é um achado. Com um elenco de luxo e internacional, somos levados a um mundo onde ser solteiro é o maior dos crimes, com direito a punição e tudo. Colin Farrell tem o seu melhor papel em anos e algumas das sequências são de um temperado gosto exquisite. O vencedor do Prémio de Júri.

O cineasta tailandês Apichatpong Weekarasull prova mais uma vez que é um nome a ser seguido, mais do que ser relembrado por ser longo e bizarro para os nossos costumes. Em Cemetery of Splendor, o seu novo filme, o cineasta volta a ser envolvido por um misticismo desarmante, ao mesmo tempo que incute uma paralela critica ao panorama social e militar da Tailândia. Com imagens belas recheadas de simbolismos gritantes e um onírico sedutor, este é um dos filmes que dará que falar, durante o seu percurso no circuito comercial, e, quem sabe, em outros festivais.

Ainda na secção Un Certain Regard, One Floor Below, de Radu Muntean, um dos importantes nomes da Vaga Romena, incute-nos como um anti-thriller, um filme remoído num extenso dilema que perturbará até mesmo o espectador. Dirigido por um realismo fincado e frio, assim como uma câmara que parece possuir uma exclusiva cumplicidade com o protagonista, limitando assim a visão do espectador, One Floor Below poderá ser acusado de manipulação, mas uma coisa é certa, o faz com mestria e convicção na sua matéria.

Categoria: Lata
O grande vencedor da Palma de Ouro não é bem justo vencedor, pelo contrário, a sua vitória é um triste sinal dos tempos que vivemos, de como o politicamente correcto torna-se cego e prevalece na qualidade do produto. Realizado por Jacques Audiard, um cineasta francês acostumado a fazer BEM melhor (Un Prophète, Rust and Bone), Dheepan segue a história de uma família “fictícia” do Sri Lanka que para conseguir fugir à guerra civil chega à França com a promessa de uma vida melhor e pacífica, algo que nunca chegou a concretizar. Passando num bairro social francês, o filme é composto por os mais batidos lugares-comuns e por uma ambiente “pastiche” que aufere previsibilidade. Jacques Audiard conduz um elenco desconhecido que se esforça a trazer credibilidade nos seus desempenhos, mas nunca nas suas personagens. O pior é que a obra é esquizofrénica, cedendo a risíveis pontos de viragem e um final, que sob comparações evidentes, chega a ser ofensivo e demasiado míope na sua crítica.

Gus Van Sant falha em conseguir levar o espectador à chamada “floresta dos suicídios”, situado perto do Monte Fuji, Japão, este local misterioso tem vindo a albergar um crescente de pessoas determinadas a acabar com as suas respectivas vidas. Em Sea of Trees, o palco é servido para uma história de auto-ajuda com claras influências do cinema de M. Night Shyamalan. Matthew McConaughey, Ken Watanabe e Naomi Watts tentam oferecer personagens que nos fazem simpatizar, mas os esforços são escusados perante um argumento desequilibrado, lamechas e previsivelmente inverosimilhante. O filme foi recebido com uma onda de apupos, durante a sua primeira projecção em Cannes, mesmo com a presença do realizador e dos respectivos actores.

Na Semana da Crítica, a sua abertura foi marcada por uma obra descuidada, académica e seca de ideias. Falo de Les Anarchistes, de Elie Wajeman, uma fita que nos transporta para os finais do século XIX, onde os espectadores estão no rasto de um policial com romance à mistura. Tendo ideais anárquicos e socialistas como pano de fundo, Les Anarchistes orgulha-se de apresentar no seu elenco uma das ascendentes actrizes da actualidade (Adèle Exarchopoulos), mas apenas consegue leva-la a comportar-se como uma defraudada sex symbol.
