As redes sociais fizeram de nós narcisistas?

Não é de hoje que o Homem sente a necessidade de gravar um momento para todo o sempre. Se não fossem os pintores talentosos como Hyacinthe Rigaud, famoso pelo retrato a Luís XIV, hoje não teríamos, por exemplo, uma ideia visual de como eram os nossos antepassados. Muita coisa mudou desde então, é certo. Já não precisamos de contratar um pintor para fazer o nosso retrato. Qualquer pessoa tem à mão um gadget com uma máquina incorporada. No mesmo instante em que o momento acontece, é registado. Mais: em menos de nada, é dado a conhecer ao mundo. É aqui que entram as redes sociais. A maior revolução social dos últimos anos.

Há quem diga que nos estamos a tornar naquela figura do chinês, que, durante as férias, passa o tempo todo a tirar fotografias a tudo e a nada. É como se só vivêssemos a experiência depois, no momento em que vemos as fotos e as colocamos nas redes sociais. Um hábito que já levou, inclusive, pessoas, em situações extremas, a filmar o seu próprio acidente de avião. Portanto, a mera partilha de um prato de restaurante no Instagram é considerado normal. Importa, por isso, reflectir – será que nos limitamos a publicar o que vivemos, ou chegamos ao ponto em que vivemos para publicar?

Atento a esta nova realidade sociológica, Jorge Martins Rosa, professor de Cibercultura e Cultura Pop da Universidade Nova de Lisboa, em entrevista ao Jornal i, disse: “antes tirávamos fotografias para guardar num álbum, não só os custos eram maiores, como as ocasiões para partilhar eram mais limitadas. Tudo se foi tornando mais fácil e menos dispendioso com o aparecimento dos blogues e, mais tarde, das redes sociais. A partir daí, é um processo que se auto-alimenta e ganha cada vez mais força”.

Entre as imagens mais populares, encontram-se os famosos selfies no espelho da casa de banho, antes de uma saída à noite, ou aos pés, quando se está na praia. Os animais de estimação, os aeroportos e paisagens em geral, assim como as comidas e as bebidas, estão também entre as fotografias mais partilhadas. Um costume que também já tem nome – braggie, isto é, quando se posta uma foto na Internet com o objectivo de provocar inveja aos seguidores.

Estrelas de renome do mundo da música, como David Byne, começam a mostrar-se incomodados com esta nova atitude dos seus fãs. Numa entrevista ao Expresso confessou, “as pessoas dão um dinheirão pelos bilhetes e depois passam o tempo a ver o concerto no seu aparelho electrónico. É como se não se permitissem experimentar as coisas”. Em detrimento disto, verifica-se o aumento de empresas que apostam cada vez mais em fotógrafos profissionais para tirarem fotos, durante os espetáculos musicais, ou até mesmo nas discotecas. No dia seguinte, está tudo estampado no Facebook, ou no Twitter.

Dá a impressão que utilizamos o ambiente virtual como meio de nos autopromovermos, numa busca permanente pelo aplauso. Um ambiente de meias-verdades, com apenas o que se deseja revelar. A construção da melhor personagem sobre nós mesmos. Uma postura que no extremo provoca a angústia de quem não consegue viver o momento, tudo porque só se pensa na cobertura online. Uma manifestação que, para certos críticos, não é mais que a dificuldade crónica hipermoderna de o ser humano viver o momento, o velho carpe diem. Uma febre louca de se vivenciar, por meio da fotografia, a experiência do presente e de no mesmo instante a colocar nas redes sociais. Depois é só ficar a espera dos likes – a satisfação final.

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