Certa noite, teve um sonho. No fundo do mar azul intenso e escuro, permanecia quieto, durante largos minutos. O único movimento era o da própria respiração, que se traduzia intensa, entre largas bolhas.
Não sentia desconforto nem paz. Apenas estava ali, em perfeito alinhamento. Acordou com a frase budista enviada pelo agitar dos nossos sonhos: “nada é fixo nem permanente”.
A mensagem foi fácil de entender. É-nos tão difícil mudar. Principalmente aceitar quando chega o momento de o fazer.
Seria tão fácil como fluir com a vida conforme ela te agita. Mas permanecemos enraizados e fixos a ideias de como ela deveria ser, que muitas vezes já estão feias e bolorentas. As raízes enterram-se em caminhos gastos, em vez de fincarem chão.
“Nada é fixo nem permanente”. A vida é feita de eternos renascimentos. E não nos é fácil morrer. Nem a morte física, nem a morte do que já foi. Ficamos presos ao passado com um profundo medo do futuro.
Deveríamos ser como as carpas. Que ao pressentirem a morte se quedam quietas, porque reside na sabedoria do silêncio as melhores formas de se agir. E após lampejos de direcções a tomar, apenas seguir.
Às vezes, não sabemos por onde ir. Em muitas circunstâncias, não sabemos como parar. Ou mudar. Os fins de ciclo permanecem à nossa frente e gritam-nos aos ouvidos que a trajectória, agora, terá de ser outra. Relembram-nos que tudo são experiências. Que em nada se erra a não ser na própria escuta.
Outras vezes falta-nos a coragem. Nadamos contra a correnteza, mas não para nos transformarmos num dragão. Vamos contra ela porque achamos que dentro de nós não há a força necessária para aquilo que por vezes é tão simples. Seguir a direcção certa.
Perdemos tempo nestas proezas contraditórias mas também o ganhamos. De certa forma, também aprendemos. Quando teimosamente seguimos caminhos que não são os nossos e que nos provaram que é tempo de mudar, a vida encarrega-se de nos demonstrar aquilo que não queremos ver. Ficamos doentes. Mal connosco próprios. Ou agita-nos com acontecimentos radicais que não estávamos à espera.
Mudarmos de pele, faz parte. Transformar é matéria dos sonhos, mesmo que o seja passo a passo. Para percebermos o passo que se segue, temos de conhecer a nossa natureza, do que somos feitos, como é o revestimento do que viemos cá fazer.
Como poderia a carpa nadar contra a correnteza se não soubesse que, na realidade, é mesmo um dragão?
É fácil de imaginar que, quando ela se prepara para a morte e permanece ali, quieta, se olha em silêncio. Apenas aguarda o próximo passo. Não é capturada em surpresas ao chegar ao fim da linha, por ter levado todo o tempo que deveria ter nadado, a resistir ao caminho que deveria ter seguido.
Ela tem a certeza que, apesar de todos os medos, só vale a pena se for quem é. Que só o poderá fazer através da escolha de caminhos, seguindo em frente e abraçando o abismo do desconhecido.