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A Inutilidade da banalidade

Tal como acontece com muitas das pessoas com quem nos vamos cruzando ao longo das várias facetas da nossa vida -social, profissional, familiar, até amizades de “copos”- a grande maioria não deixam de ser apenas uns conhecidos.

Também quantos de nós alimentamos simpatias ou ódios de estimação por figuras públicas com quem nunca sequer falámos mas que achamos que conhecemos e de quem acabamos por fazer uma apreciação baseada numa imagem, num estereótipo de idade, de aparência, numa entrevista, ou num programa de televisão. Quantas vezes nos baseamos em nada e coisa nenhuma. Só porque sim ou só porque não.

No meu caso, não posso dizer que conheço pessoalmente Chagas Freitas. “Privei” com ele em duas sessões de autógrafos – dele, não minhas (lá chegaremos um dia).

Admirava-o pelo seu percurso profissional. Admiro-o pela sua escrita, aquelas pequenas frases que significam muito e nos batem fundo na cabeça e no coração, diálogos muitas vezes desconcertantes que nos tiram o chão, que nos levam para tudo e o seu contrário, que nos questionam e nos dão a resposta mais inesperada e que mesmo assim nunca nos fez tanto sentido.

Troquei com ele algumas mensagens nas redes sociais, nomeadamente sobre o meu primeiro livro que estava demorado a sair da editora. E o que me espantou foi que ele, na apresentação do seu último livro, se lembrava dessa troca de mensagens e me perguntou pelo meu livro quando lhe fui pedir um autógrafo e uma foto.

Depois desta ocasião teve um terrível 2024 a nível pessoal. E o que me acrescenta ao seu valor é a maneira como lidou com a perda do seu pai e logo de seguida com a doença grave do seu príncipe, o que, como já confidenciou, nem lhe deu tempo para fazer o luto.

Quando outros se refugiariam, se esconderiam do mundo, ficariam no seu canto a lamber as suas feridas, a chorar e a secar as lágrimas no seu reduto mais familiar, Pedro Chagas Freitas tem este despudor, este chegar-se à frente, este não se esconder, este não ter receios te falar de sentimentos, esta desenvergonhice de mostrar a dor, esta capacidade de nos incluir.

Com certeza teve momentos de choro, de raiva, de total impotência, mas transformou-os em força. E enquanto isso transformou-nos -enquanto nos punha a par do relatório médico, enquanto partilhava connosco o seu desabafo diário-, na sua própria terapia.

Ao mesmo tempo, estilhaçou ainda mais a imagem preconcebida que eu tinha de outros escritores. Eternos sofredores fechados na sua nuvem, bipolares extremados, atormentados e paralisados pelos seus medos e fantasmas, seres etéreos com tanto de sublime como de delicado, superiores ao mero mortal, num pedestal privativo.

Na minha simples maneira de ver as coisas banais (na minha opinião, cada um tem a sua mais ou menos fundamentada), Pedro Chagas Freitas, para mim, é um gajo normal, é O gajo porreiro.

Obrigado por isso.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico

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