A escola é uma “Catedral do Tédio”?

Quem nunca esteve numa sala de aula e bocejou que atire a primeira pedra. O tédio nas escolas não é ficção científica, é uma realidade que se arrasta há décadas em Portugal. E tanto os alunos, como os professores têm consciência disso. Porquê insistir no mesmo modelo, se todos sabemos que o resultado não muda?

Matéria excessiva e aulas aborrecidas foram as palavras mais repetidas por seis mil alunos portugueses num estudo realizado em 2016 pela Organização Mundial de Saúde. Entre os 42 países analisados, Portugal surge na 33.ª pior posição. Os nossos jovens sentem-se “máquinas” com tantas horas na escola e matéria para estudar. Ao fim do dia, pouco tempo e paciência restam para praticar uma actividade que realmente gostam.

Para os especialistas, é urgente as escolas adaptarem-se à realidade do século XXI sob a pena de desaparecerem. Hoje, os alunos são cada vez mais heterogéneos, têm acesso a inúmeras fontes de informação e destacam-se das gerações anteriores por serem nativos digitais. Os modelos de ensino tradicionais são, para eles, totalmente desadequados e nada apelativos.

Ilídia Cabral, docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, conhece bem esta realidade. Com vários trabalhos sobre o insucesso escolar no ensino básico e secundário, numa entrevista ao PÚBLICO aponta o dedo ao modelo em vigor. “As escolas tornam-se para inúmeras crianças e adolescentes verdadeiras catedrais do tédio”, porque se “ensina hoje como se ensinava há 200 anos”, traduzindo-se num “modelo de organização escolar padronizado”, igual para todos.

Os professores sentem-se encurralados. Sabem que o sistema não funciona, que os alunos se chateiam com as aulas, mas têm medo. Medo da mudança. Assim como os sindicatos. No fundo, não sabem fazer de outra maneira. Quem o diz é Pepe Menéndez, director adjunto da Fundació Jesuites Educació, da Catalunha. Numa entrevista ao DIÁRIO DE NOTÍCIAS, chega mesmo a culpar os políticos: “A educação é uma arma política. A política procura sempre resultados a curto prazo e a educação é uma questão de longo prazo. Temos de ser generosos”.

Aprender em liberdade

Foi precisamente por observar que a escola se estava a tornar numa prisão que Pepe Menéndez decidiu levar a cabo uma mudança profunda nos colégios jesuítas da Catalunha. Era necessário provocar as emoções, as paixões e potenciar os talentos tão diferentes dos alunos. Os cantores e os cozinheiros que um dia vão ser óptimos, têm tanto lugar na escola como os futuros cientistas. Só depois de cerca de cinco anos de trabalho de “laboratório” o novo modelo foi introduzido. Um estudo que continua em aberto.

Ao todo são 13 mil alunos abrangidos em toda a Catalunha. Aqui, há aulas leccionadas por mais do que um professor ao mesmo tempo. “Um dos elementos estratégicos é ter grupos de alunos de 50 ou 60, com três professores na aula, de diferentes disciplinas, trabalhando em equipa. Não é cada um na sua área. Isto agrada aos professores, mas exige mais deles”.

A espinha dorsal é o trabalho interdisciplinar por projectos. Há casos em que chegam a durar duas, a três semanas. Exemplo disso é o projecto “Volta ao Mundo em 80 imagens”. O papel do professor na sala de aula é guiar e relembrar aspectos importantes. O peso da oratória está todo do lado dos alunos. “Em vez de ser o professor que fala, fala, fala. São os alunos que falam, que partilham”. Justificando: “Os alunos já estão a trabalhar mentalmente com a imaginação. É mais lento, mas é mais profundo”.

Há ainda o projecto “Leitor”. Em vez de serem “obrigados” a ler três livros para fazer um teste. É dada a liberdade de escolherem de entre 100 possibilidades, de acordo com os gostos pessoais. No final, a ideia é partilharem o que leram no digital. “Como o professor não dedica tanto tempo a explicar, o que faz é observar e ler o que eles escrevem. Um professor consegue sempre intuir – estás a copiar tudo, (…) porque eu conheço-te e sei que isto não tem nada a ver contigo”.

Nesta escola não há horários, nem um plano obrigatório. Ninguém sabe como vai ser a semana. Apenas que começam o dia sentados na sala (uma espécie de Praça Pública), com cadernos iguais intitulados de “Projecto Vida”. Só o detentor do mesmo o pode ler. É nele que escrevem sobre o que consideram ser mais importante, partilhando muitas vezes com os colegas e professores. Sem se aperceberem, reflectem sobre o futuro e a vida. Aqui, os donos da voz são os alunos. E os resultados até ao momento são animadores.

Há muito que alguns países da Europa, como é o caso do Reino Unido, em anos equivalentes ao 11.º e 12.º fazem com que seja o aluno a escolher as disciplinas que quer, independentemente de serem da área das Humanidades ou de Ciências. O caminho não é exacto. Para Inácio de Loyola, tudo se resumia às emoções. “É preciso apelar às emoções de uma pessoa para que ela aprenda, para que tenha predisposição para aprender”.

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