Portugal encontra-se numa situação anómala. Num espaço de tempo inferior a um ano, os cidadãos nacionais serão chamados por três vezes a exercer o seu dever de direito de voto. Em maio de 2025 são as eleições legislativas, em outubro as autárquicas e no início do ano de 2026, as eleições presidenciais.
Perante isto, poderíamos pensar que o mundo político português fervilha com debates entre candidatos e partidos políticos, procurando mostrar ao país as ideias e os projetos de governação nacional e autárquica. Mas não, parece que estamos num imenso vazio de palavras… Existem alguns, poucos, debates nas televisões de acesso livre, nem sempre em horário nobre, com um curto tempo para expor ideias e, sobretudo, que apresentam pouca informação útil.
Sim, é do conhecimento geral, que o nível de literacia política da população portuguesa é baixo. O interesse da maioria das pessoas pelos destinos do país e a intervenção cívica é praticamente inexistente. Mas o problema será apenas esse? Não nos parece. Um conjunto de fatores levam o cidadão português adulto a esta situação.
Começando pelos debates políticos, será que o modelo dos mesmos e os temas abordados são realmente a melhor escolha possível? Será que o desempenho dos jornalistas poderia ser otimizado (maior isenção e com mais conhecimento de causa)? E o desempenho dos políticos? Será que o seu discurso é percetível para a grande maioria da população? As audiências são normalmente tão baixas que alguns destes aspetos poderiam ser reavaliados.
Se quisermos ir um pouco mais atrás no tempo, e considerando que um cidadão ativo se constrói desde cedo, temos consciência que os assuntos políticos raramente são abordados na infância e juventude, seja em ambiente familiar ou escolar. Os estímulos ao debate político são praticamente inexistentes. Pensemos em quantos jovens já foram assistir a um debate nas galerias da Assembleia da República? Ou estimulados a visitar locais importantes da nossa história política? Ou a participar em manifestações e desfiles? Ou ainda a ter um papel associativo ativo?
Finalmente, a conjuntura política em si não se apresenta favorável. A queda de governos sucessivos acarreta uma grande desilusão com os elementos presentes no tabuleiro político nacional. O desinteresse é generalizado e ouve-se frequentemente o comentário “os políticos são todos iguais”.
Salientado este último aspeto, parece que a época dos “grandes animais políticos” terminou. Por onde andam as mulheres e os homens de elevado gabarito, com grandes capacidades de oratória, que nos saibam falar de política – e não só -, que fundamentem as suas opiniões de forma consistente e esclarecedora, deixando claramente a demagogia na prateleira?
Temos vários exemplos das diferentes famílias políticas, tanto à esquerda como à direita. Relembro nomes da I República como o Presidente José António de Almeida ou o parlamentar Afonso Costa. Nesta época a oratória era uma arma poderosíssima no debate político. Mas mais recentemente não podemos esquecer nomes como Francisco Sá Carneiro (PPD/PSD), Manuel Alegre (PS) ou Odete Santos (PCP), aqui escritos alfabeticamente. Ou como esquecer o memorável debate entre Mário Soares (PS) e Álvaro Cunhal (PCP) em 1975, em pleno PREC (Período Revolucionário em Curso) que eternizou a frase “olhe que não, olhe que não!”.
Agora vivemos de fait divers (notícias pequenas e sem interesse) com pouca substância, onde é mais importante falar alto, desestabilizar o oponente político com frases feitas, gestos e expressões dramatizadas, ao invés de serem apresentadas ideias estruturadas e projetos para o futuro do país. Talvez porque simplesmente elas não existam…
Perante isto, é normal que o debate político se torne um enorme deserto, sem interesse e sem capacidade de captar a atenção do povo português. No fundo, é uma grande (des)ilusão.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico.