Atualmente é difícil encontrar um tema que nos faça dialogar e argumentar razoavelmente, vivemos num mundo de extremos, assim o é na vida social e acima de tudo na Política. Em relação à Política, os ideais populistas movem-se rapidamente, porque se baseiam em provocar empatia com os ouvintes. Estes ideais são normalmente protagonizados por alguém com o dom da palavra, que faz com que o público os veja como um verdadeiro líder, transformando as suas afirmações numa máquina gigantesca, polémica, mas eficaz.
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Normalmente estas afirmações são baseadas numa solução radical para um grupo de pessoas com que os restantes se sintam desconfortáveis. Trabalhando essencialmente na ideia de que eles são cidadãos menos dignos. É concentrado nesse desconforto, que rapidamente se guia alguém até ao fanatismo e ódio. Vende-se sobretudo uma ideia quase religiosa “de um mundo melhor”, os extremistas oferecem-se como alguém que irá corrigir o mundo das coisas que o prejudicam na sua ordem, como se tivessem uma missão sagrada em mãos, só que esta é de ódio e não de compaixão.
Foi desta maneira que o Holocausto existiu, muitas pessoas atualmente ainda se perguntam como tudo aquilo aconteceu e a verdade é que inicialmente todos acreditaram na ideia de que lhes vendiam, essa de “um mundo melhor”. Uma grande percentagem acreditava realmente que os judeus eram um problema para os negócios e o seu líder serviu-se ainda mais de xenofobia e racismo para disseminar a ideia de que eles não mereciam prosperar ali. Claro que estes apoiantes não imaginavam que o final destes “forasteiros” seria “o forno” e mais tarde muitos se arrependeram, mas foram vencidos pelo medo. Imaginemos que, logo após o Holocausto, existisse uma personalidade judaica que convencia toda gente em nome “de justiça” a colocar em campos de concentração todos os alemães de raça ariana, crianças inclusive, por merecerem aquele castigo. Isso tornaria os judeus melhores que os seus repressores?
Imaginemos também que logo após a abolição da escravatura faziam algo semelhante? Não se estaria somente a criar mais ódio e guerra?
Aqui reside a contrariedade de dar permissão aos extremos, quer sejam eles o problema ou a solução. Porque estes líderes colocam uma semente de ódio naqueles que anseiam mudanças ou punição. Assim que estes ganham força é tão difícil quanto perigoso tentar controlá-los. A resposta a um extremo é por norma outro extremo, deixando de lado a possibilidade de diálogo e de expor argumentos de forma razoável. Estamos a criar um mundo que as pessoas ouvem apenas para responder e não porque estão dispostas a entender o outro lado.
O mesmo discurso que pode emocionar milhares de pessoas, pode alimentar o ódio daqueles que são contra o tema que está a ser tratado. Falemos aqui do discurso emotivo de Pamela Stevenson que se opôs ao projeto que proíbe afirmação de género para menores. Ninguém está muito disposto a dar tempo de antena a pessoas que falem com imparcialidade, estudo e conhecimento. Ouvimos unicamente discursos de repulsa ou de incentivo, dificilmente algo como “eu sou a favor da mudança de género, mas não em menores” será ampliado.
A adolescência é, sobretudo, uma altura da vida extremamente influenciável, e todos os que já passaram pela adolescência sabem que acreditávamos ter muitas certezas que um dia mais tarde se transformaram em dúvidas. Claro que não falamos aqui de um estilo de roupa nem de ser ou não vegetariano, falamos de uma transição muito séria, que envolve uma reflexão e que exige maturidade. É legitimo ouvir o sofrimento dos pais de uma criança que não se identifica com o próprio corpo, porque a prioridade deles é nada mais que ver o seu filho ou filha feliz, mas também é legitimo querer que essa seja uma decisão acertada. Será que podemos exigir de um adolescente que ele tenha certeza de algo permanente?
No entanto, Pamela proferiu umas palavras sábias, “criamos um ambiente de ódio, quando não tivermos mais ninguém para odiar, iremos odiar a nós mesmos?”.
Sim, se estas pessoas não encontrarem mais ninguém para apontar, para odiar, acabaram por se odiar a elas próprias, porque esse ódio é como uma droga. Serão eles como um viciado em fim de linha, que já não consegue encontrar novamente a sensação de poder e confiança em si mesmo. Isto por se sentirem incapazes de criar novamente uma adrenalina forte o suficiente que os alimente, que alimente esse ódio, que se tornou a sua razão de ser. Ao refletirmos sobre esta questão concordamos que há uma necessidade de neutralizar o ódio, porque ao permitirmos ser motivados pelo ódio, damos poder a algo que tem como propósito tornar-nos menos humanos.