Se perguntarmos a qualquer criança, em idade escolar, quais são os 5 sentidos, a resposta não se faz esperar: visão, audição, paladar, cheiro e tacto. A maioria dos humanos usufrui de todos eles, sendo que há quem tenha uma maior acuidade num em específico: uns têm uma visão perfeita, outros ouvem melhor, outros distinguem sabores entre misturas cuidadas, outros detectam odores, e há ainda os que identificam texturas e temperaturas com rigor. Somos o resultado daquilo que recebemos e, da forma como interpretamos esses estímulos. Mas para além destes sentidos universais, parece-me que poderá haver algo mais que poderá diferenciar a capacidade de apreensão do meio ambiente: a sensibilidade.
Habitualmente, a sensibilidade está relacionada com fragilidade. Quando estamos preocupados, ou nervosos, parece que ficamos mais atentos ao nosso redor, como se se tratasse de um sistema de alerta que se activa em maior escala em determinados períodos. Certos factos, que em dias correntes seriam corriqueiros, tornam-se notados. Muitas vezes, os próprios amigos, quando partilhamos ansiedades, tentam confortar-nos, dizendo que não nos levemos muito a sério nesses dias porque estamos sensíveis, e que eventualmente, devido a isso, poderemos não estar a pensar de forma racional, leia-se correcta, embalados nas emoções que nos podem toldar o discernimento. A questão hormonal, também não ajuda. Na maior parte das vezes mais notória nas mulheres, devido não só às oscilações mensais da prostaglandina e da testosterona, mas também à gravidez, é muitas vezes usada de forma sarcástica ou ironizante, sendo pretexto para brincadeiras muitas vezes reveladoras da pouca compreensão das emoções humanas.
A sensibilidade de que pretendo falar vai além destes factos puramente físicos. Se sujeitarmos duas pessoas a um mesmo estímulo, por exemplo, uma foto de criança, ou de um animal, ou uma música, as suas reacções serão diferentes. Dependendo da sua história ou da predisposição para se emocionar, poderão mostrar a sua sensibilidade, ou pelo contrario, mostrar a ausência da mesma. Há algo, que julgo poder-se chamar gestão de leituras, que se manifesta na reacção tida por cada uma das pessoas. Aquilo que para uma pessoa é banal, poderá causar grandes mudanças de humor noutra. Aquilo que emociona um, pode não significar nada para outro.
A sensibilidade é muitas vezes entendida como uma debilidade ou incapacidade de ficar imune ao meio ambiente. Como se fosse uma fraqueza, uma falha na muralha, que permite a chegada de factos ao nosso centro de emoções. Em tempos idos, um homem que chorava era um fraco. Ainda hoje, frequentemente se diz às crianças que não chorem, a menos que queiram ser confundidos com bebés e mariquinhas. Como se fosse um defeito, uma inaptidão.
Muitas vezes são os próprios que bloqueiam essa sensibilidade, para evitarem o sofrimento que esta lhe pode causar: os sem abrigo, os doentes, os pobres, os injustiçados, doem-lhes na alma. Recebendo estímulos de várias ordens, uma pessoa sensível parece ter muito mais dados a tratar. É penoso, e muitas vezes esgotante. Muitas vezes desejariam ser menos sensíveis, para permanecerem inabalados nos seus propósitos pessoais. Aqueles que passam na rua e se calhar nem vêem, ou vêem, mas não ligam, não sofrem, não se preocupam, não se sentem afectados pelos factos.
Ora, parece-me que alguém que tem a capacidade de se emocionar, de intuir estados de espírito por algo tão natural como um tom de voz, ou um esgar, ou um olhar específico, não pode ser considerado alguém debilitado. Muito pelo contrário, tendo acesso aos mesmos dados que os restantes, tem uma sagacidade na interpretação dos mesmos, sendo capaz de descobrir aquilo que muitas vezes tentamos ocultar dos outros. Alguém que interpreta silêncios, energias, ritmos ou a simples ausência deles, dando-lhes significados, parece-me que tem uma habilidade superior.
Talvez essa sensibilidade tenha um propósito. Li algures que o choro da criança provoca, intencionalmente, algo que se poderia definir como irritação, nomeadamente sobre a mãe, para que esta proceda o mais rápido possível à solução do problema em causa, terminando com o aflitivo choro. É o que se chama uma irritação produtiva.
Na mesma linha de pensamento, talvez a sensibilidade deva ser levada a sério, como um sentido que excede a racionalidade, mas que serve como detector de questões que talvez precisem ser encaradas e tratadas. A sensibilidade poderá funcionar como um alerta: se nos causa dor, talvez possamos pensar em como solucionar o problema, ou minimiza-lo. Se nos tira o sono, talvez signifique que podemos fazer algo, e só não tenhamos ainda descoberto o quê e de que forma. Se pelo contrário é uma sensibilidade positiva, uma alegria, um bem-estar, deveremos saboreá-la, dando cor e prazer aos nossos dias. Chega a ser uma mais–valia: num mundo de daltónicos, ver todas as cores é uma bênção, não um defeito.
Ser sensível, mais que isso, permitir-se ser sensível, é só para pessoas fortes. Afinal, viver de emoções, não é para fracos de espírito, é para aqueles que ousam encarar a dor, tornando-a útil, agindo sobre ela. Ou permitir-se encantar pelo olhar feliz dos outros, ou pelo riso gargalhado, ou apenas pela luz, pelo som, pelo mar, em contemplação. É consentir viver profundamente.
“Cada um só vê do universo aquilo que a sua sensibilidade ou a sua maneira de ser lhe permite. O universo pode ser muito mais vasto e muito mais diferente do que aquilo que é apenas o nosso mundo.”
Agostinho da Silva