A sociedade estipula que existe uma educação de base e que as crianças, em determinada idade, devem frequentar a escola e iniciar o seu percurso académico. As conquistas da democracia permitiram que fossem estipulados 12 anos de ensino obrigatório de modo a preparar o ser para a sua vida futura. A entrada será por volta dos 5/6 de idade e o final dependerá do sucesso e empenho do aluno.
O que fornece a escola? Vários tipos de ensinamentos, os teóricos e os práticos em termos sociais. Socializa-se, aprende-se a lidar com conflitos, trocam-se ideias com os seus pares e desenvolve-se a personalidade. Ficar mais anos na escola serve para consolidar e firmar o ser cidadão, o que se pretende ser na vida. A escola, regra geral, é onde se conhecem nomes, conceitos e, a maior parte das vezes, as regras da sociedade.
Depois do ensino obrigatório feito existem opções. Uns enveredam pelo ensino profissional, outros pelo ensino superior e ainda outros pelo mundo do trabalho. Contudo, isso é hoje em dia, no século XXI, em plena democracia que zela pelo grau de instrução de um país, que se preocupa pelo nível cultural que possa ser adquirido por cada um. As ferramentas são fornecidas e cada um dá o uso que entender.
Brasilino Godinho é a prova de que o saber não ocupa lugar e que a aprendizagem é uma constante na vida de qualquer pessoa. Não será o estudante típico, mas é um exemplo a seguir. A vida deste homem podia dar um filme, daqueles em que os lenços de papel estão sempre à mão. No entanto não é de ficção que se trata, mas sim da realidade e deve ser encarada como uma lição de vida.
Aos 77 anos, através do concurso de acesso à universidade para maiores de 23 anos, entra para o Curso de Línguas, Literaturas e Culturas. Nada de estranhar, uma vez que aos 15 anos já lia os clássicos e aos 16 anos teve, pela primeira vez, o desejo de ingressar na universidade. Não foi possível pois os custos eram elevados e impossíveis de suportar. Foi adiando e ganhando, cada vez mais, combustível para o objectivo.
Conclui o curso com a média de 15 valores, na Universidade de Aveiro, uma referência de qualidade e profissionalismo.O facto de já estar reformado e ser portador de uma excelente bagagem cultural facilitou a aprendizagem que, conforme se sabe, é contínua. O seu passado profissional, num campo oposto, desenhador de construção civil e topógrafo, estava a dar-lhe uma dica que ele, no fundo, ouviu e esperou o momento oportuno para a concretizar.
Foi ele que desenhou o escoamento das águas da Universidade de Aveiro e a água, como símbolo de vida, encheu-se de sereias metafóricas cujo canto foi escutado por ele. Mais uma vez a água o levou a escolher um tema muito pertinente, para a sua tese de doutoramento, Antero de Quental, o homem grande e tão incompreendido da cultura portuguesa. Natural dos Açores nunca se libertou do sentimento de aperto e pequenez de que sofrem os insulares.
Após a conclusão da licenciatura solicitou autorização para o doutoramento, saltando o mestrado. É compreensível. Viúvo e ciente da efemeridade da vida, sentia o tempo a fluir a uma velocidade diferente, aquela que permite olhar para trás e perceber que tanto já havia acontecido e que nada deve ser desperdiçado. Foi neste contexto que defendeu a tese “Antero de Quental: um patriotismo prospectivo no porvir de Portugal”.
Um tema nada fácil, um autor bem polémico e uma época de grandes convulsões. Sugeriu que a Universidade dos Açores tivesse o nome do seu grande filho, o que seria uma justa e correcta forma de o homenagear. Brasilino será, provavelmente, o mais velho estudante universitário de Portugal a realizar um doutoramento. Uma pessoa simpática, educada, culta e agora com o grau de doutor. Apesar da sua idade, que é simplesmente um número, não quer parar e quer aproveitar os seus conhecimentos para passar aos outros: ensinar ou continuar com um pós-doutoramento.
Este ser humano fabuloso, cheio de coragem e de determinação, serve para provar que os sonhos nunca morrem, que os objectivos podem sempre ser cumpridos e que parar é sinónimo de estagnar. Brasilino escreve poesia, crónicas e já tem livros publicados. A sua sensibilidade era mostrada com frequência, uma vez que escrevia poemas para as suas colegas, o que as deliciava, com toda a certeza.
Nunca é tarde para aprender, para se chegar onde se pretende e quando os degraus estão subidos existe sempre o telhado para ser alcançado. Para mim este senhor é um verdadeiro herói, o modelo a ser seguido provando que o envelhecimento não é o fim da vida, nem a reforma, mas sim o início de uma nova etapa, de um caminho mais atraente e provocador pois não há que provar nada a ninguém, somente a si próprio.
Ser feliz passa por muitos caminhos e por muitas dificuldades, mas a técnica que cada um escolhe é a sua fibra, a essência e a fonte onde deve ser bebida a sapiência e a sensatez.