Richard Linklater é um cineasta do tempo, por isso é um cineasta contemporâneo. Após a ousadia de escrever e realizar um dos projectos mais ambiciosos de sempre da história da sétima arte, o tão merecidamente aclamado Boyhood: Momentos de uma Vida, onde se preocupava em reflectir as vivências do jovem Mason desde os seis aos seus dezoito anos, momento que efectivamente nos tornamos adultos, o realizador que inclusive serviu de refresh ao cinema independente americano dos anos 90 com Slacker (1991) regressa ao grande ecrã com Todos Querem o Mesmo. E o resultado não poderia ser mais divertido e inteligente.
Na verdade, ao início é provável que vá assistir este filme ao cinema e pense que por detrás dele está o fantasma de Boyhood. Sim, é bem verdade, nós temíamos o mesmo, afinal existirá um cinema antes e depois de Boyhood, e nenhum filme dificilmente o igualará nessa viagem ao passado e ao nosso, e ao seu, baú de memórias. No entanto, Todos Querem o Mesmo consegue continuar a maravilhosa fábula de crescimento, surgindo como quase-sequela desse projecto que demorou 12 anos a ser concluído – o próprio cineasta expressou-o e disse que este era um reflexo autobiográfico das suas vivências na faculdade. O próprio realizador texano avisou durante os últimos dias de rodagem de Boyhood que aquele final seria o início de uma nova aventura. Nele e muito surpreendentemente Linklater volta a realçar aquilo que lhe é próprio, os longos e um tanto filosóficos diálogos e, por consequência, as relações humanas.
Linklater fe-lo nas comédias-dramáticas-românticas da trilogia Before (Antes do Amanhecer, Antes do Anoitecer, Antes da Meia-Noite), no “quase histórico” Me and Orson Welles, passando pelo registo da animação com Waking Life e A Scanner Darkly, que utilizam a técnica inovadora da rotoscopia, sem esquecer o seu mergulho numa vertente mais comercial com Escola de Rock e Morre e Deixa-me em Paz. De grosso modo, procura mostrar num tom naturalmente incrível aquilo que nos escapa entre os dedos das mãos, o que se desvanece entre os dias e as noites, entre o real e o sonho, o tempo.
Dessa forma, nesta que também se titula como sequela espiritual de Juventude Inconsciente (1993), onde participavam os então jovens e atrevidos Matthew McConaughey e Ben Affleck – agora celebridades vencedoras de Óscares -, Linklater passa dos últimos dias do liceu de meados dos anos 70 aos golden days dos inícios anos 80, onde “ir para a universidade era fixe”, como nos dias que correm. Dentro e fora de campo somos apresentados a um grupo de jovens que desejam ser jogadores de basebol ao traçar o seu caminho diante das novidades, loucuras e ainda responsabilidades da vida adulta que se inicia. As incertezas destes pós-teenagers, que não são em nada imaturos, apenas vivem intensamente cada momento, reportam às mesmas interrogações colocadas pela Generation X, que Linklater se enquadrou, impondo a fórmula das pequenas e banais estórias sobre períodos que não voltam atrás.
A acção desenrola-se três dias antes do inicio das aulas, onde Jake (Blake Jenner) chega à sua futura casa e conhece os gabarolas McReynolds (Tyler Hoechlin) e Roper (Ryan Guzman), o armão, mas inteligente Finnegan (Glen Powell), o excêntrico Willoughby (Wyatt Russell) e um ou outro caloiro que desfrutam de festas atrás de festas, que decorrem nos pequenos instantes entre os dominantes segundos da vida universitária (o estudo!!). Entre conversas sem papas na língua e jogos muito mais além da imposição de plataformas digitais quase obrigatórias nos dias de hoje, Todos Querem o Mesmo, Everybody Wants Some!! no original, apresenta-nos jovens com testosterona para dar e vender e acompanhada pela ressaca causada pelas misturas de álcool, com cervejas de borla para todos.
Mesmo assim, não vemos essas questões num sentido pejorativo, vê-lo como aspectos próprios de uma juventude crescentemente rebelde. Os tempos, na verdade eram outros. Nos anos onde ir à disco para vibrar ao ritmo Pat Benatar ou The S.O.S Band era mais ‘classy’ do que o ritmo frenético sentido nos dias de hoje, aliás em toda a banda-sonora, uma vez mais old-school algo característico do realizador, destacam-se “My Sharona”, dos The Knack, “Heart of Glass”, de Debbie Harry, “Whip It”, dos Devo ou “Hand in Hand” dos Dire Straits, onde os amigos se faziam com conversas demoradas em fez de trocas de SMS e onde os penteados e os estilos de vestuário começaram a ser mais do que meros estereótipos. Na verdade, em cada passo dado por Jake e pelos rapazes, vemos o tempo ganhar corpo e ao som acappella do trio rap The Sugarhill Gang.
Acresce a Todos Querem o Mesmo o facto dos seus actores serem desconhecidos (ou quase), o que transpõe uma maior autenticidade das personagens e com maior facilidade em manter os seus espectadores com um sorriso na cara, bem, desde que se façam asneiras. ‘Será este o melhor elenco do ano?’, arriscámos-nos a perguntar. Todos Querem o Mesmo também aponta para um futuro ao encontrar na cultura popular emergente da época alguma filosofia para a constituição de uma memória colectiva, de um espelho da própria memória e do coming-of-age, que pode ser explorado das mais diversas formas no cinema.
Todos Querem o Mesmo será por certo tão importante na cinematografia deste ano de 2016, posto que instaura um corte com aquilo que se viveu até agora, só para perceber que um novo destino se encontra em frente dos nossos olhos, certamente uma carreira promissora para um ou outro actor do elenco, com destaque evidente para Blake Jenner e Zoey Deutch, uma Julie Delpy à la americana.
Hilariante e relaxante na fuga à ansiedade da rotina estudantil, ao mesmo tempo nostálgico como qualquer outro filme de Linklater, Todos Querem o Mesmo aponta temáticas riquíssimas que ao início podem não significar muito, mas em breve significarão algo, senão mesmo tudo.
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