Já muito se falou sobre a eutanásia e as opiniões não podem ser coincidentes. Sabe-se que as pessoas são todas diferentes e cada cabeça tem uma sentença diferente. É um assunto muito delicado e, ao mesmo tempo, muito doloroso.
Delicado porque ninguém quer morrer, ninguém quer falar da morte, é um assunto que é evitado a todo o custo. Queremos e lutamos por ter uma boa qualidade de vida, mas, invariavelmente, ela vai terminar um dia.
Doloroso porque a morte é o fim, não se pode nem reverter nem evitar. Ela vai acontecer e, como é inevitável, que seja de forma que possamos partir sem ter que esperar em condições degradadas. Dói para quem parte, quando está consciente e dói ainda mais para quem fica. É a impotência perante as evidências.
Os avanços da medicina permitem que estejamos confortáveis no nosso percurso e só paramos para pensar quando acontecem os percalços. É assim que tudo se processa, a tomada de consciência é quando nos acontece ou a alguém que nos é próximo.
No entanto o assunto ainda tem uma outra vertente que é o perigo. Mas que perigo é este? É o perigo de tocar as feridas que todos têm, mas que não querem mostrar. As chagas estão bem cobertas, tapadas com maquilhagem, mas estão lá, independentemente da camuflagem usada.
Ninguém quer sofrer. O epicurismo é uma corrente filosófica, uma postura que não nos agrada e não queremos conhecer. Ricardo Reis viveu-o porque não existia, era só uma personagem. Nós somos verdadeiros, reais, humanos. Queremos saúde, principalmente mental e que as nossas capacidades não sejam afectadas para estarmos atentos às atitudes a tomar.
Temos a perfeita noção de que existem doenças que não têm cura, que se podem prolongar, que são muito complicadas e ainda aquelas doenças que são cínicas e oportunistas, que nos apanham desprevenidos na encruzilhada da vida.
Decidir sobre a morte não é, nem pode ser fácil. É o fim do caminho, o acabar de tudo o que se construiu, aquilo porque se lutou, o fim uma luz que deixa de brilhar. Esta é uma parte de questão. E os que envolvem essa pessoa, como ficam?
Cuidar de alguém doente é muito complicado e exige um esforço quase sobrenatural, da nossa parte. Quer esteja em casa, quer esteja num hospital ou numa clínica, é alguém nosso que prezamos e que não queremos largar com facilidade.
Queremos ser mágicos, encontrarmos as poções mágicas que tudo curam, que resolvem todos os problemas, que nos dão forças poderosas e extraordinárias, mas é só uma fantasia. O máximo que conseguimos é a ciência farmacêutica, os ensaios, os medicamentos, as experiências, a medicina aliada a tudo, ou tudo aliado à medicina. Não existem soluções imediatas.
Aceitar o inevitável nem sempre é fácil. A palavra morte tem um peso enorme na vida. É um autêntico paradoxo, mas é aquilo que sabemos que vai mesmo acontecer. É o fim da oração.
Assim sendo porque não tomar decisões enquanto estamos bem e nada nos impele a isso? É uma questão de educação ética sobre algo que, durante anos se evitou falar. A vida é nossa, logo temos o direito e o poder de decidir sobre ela. Se se pode passar uma procuração a alguém de confiança, para tratar de assuntos legais, porque não fazer o mesmo com a nossa vida?
Porque se pretende prolongar um sofrimento inútil? E porque é que é inútil? Porque já não há nem esperança nem qualidade de vida e os recursos gastos podem ser aplicados no oposto, em alguém que pode viver, que tem esperança e que deve viver.
A verdade é que somos egoístas e tendemos a prolongar aquilo que já está decidido, só que não o queremos ver. Custa muito, bem sabemos, custa a tantos de nós, custa mais continuar com o impossível. Então o melhor é fazer a vontade ao próprio e ter a coragem de ser altruísta e grandioso. Desliga-se a máquina e o clic que se ouve é de paz e tranquilidade para quem lá estiver.
Se se chora? Sim, chora-se e muito, mas são lágrimas de recompensa, de mérito, de louvor por aquilo que se teve a honestidade de fazer. Quem foi fica sempre connosco, perto, no coração, mas vai leve, sorridente e pleno.
É o fim. O ponto final parágrafo.