Se acreditares muito

Acreditar ou não Acreditar? Uma reflexão que nos remete inevitavelmente para uma viagem em torno da fragilidade humana e na sua capacidade de superação perante fortes obstáculos e adversidades. Quando acreditamos no impossível, revelamos uma qualidade de darmos a volta às situações, muitas das vezes, de forma quase inspiradora para os outros.

Se acreditares muito”: é uma peça de teatro originalmente escrita por Cordelia O’Neill e adaptada pelo encenador português Flávio Gil que apresenta uma adaptação muito profunda e a interpretação pungente de um elenco que se depara com um drama – o que significa acreditar na vida, nos outros, em si – quando as adversidades tendem a ser insuperáveis.

Amor e perda é a trama principal de uma história que se constrói da relação de um jovem casal, que, de início, parece viver uma história de amor comum, repleta de sonhos e planos.

Todavia, o que começa como uma narrativa de esperança e felicidade rapidamente se transforma numa jornada marcada pela dor e pela perda. Uma tragédia pessoal abala a vida deste casal, a narrativa torna-se numa profunda reflexão sobre a resiliência humana e a luta para encontrar sentido no meio do caos. Será que Rupert e Alex, os protagonistas desta peça e interpretados pelos atores Diogo Martins e Sara Barradas respetivamente, serão capazes de lidar com o flagelo de uma dor não anunciada e totalmente imprevista?

Esta peça centra-se num evento devastador que desmorona o mundo dos protagonistas, testando os limites da sua fé no amor e na vida. O casal enfrenta um trauma emocional que ameaça destruir tudo o que construíram juntos, desde a relação a dois até ao próprio sentido de quem são individualmente.
O momento de intensidade desta peça reside na forma como ambos lidam com a dor – de maneiras distintas, e muitas vezes opostas – na luta de se manterem unidos perante as circunstâncias.

Alex e Rupert enfrentam luto e dor pela perda de um bebé muito desejado. Enquanto um, tenta desesperadamente agarrar-se ao que resta, acreditando que a fé e o amor podem superar qualquer obstáculo, o outro começa a questionar se é possível continuar a viver depois de uma perda tão devastadora. Ambos divergem nas suas posições, onde a crença de “acreditar” pode não ser suficiente e é desafiada.

Esta divergência leva a momentos de tensão e confronto, onde a crença de que “acreditar muito” pode não ser suficiente. A autora norte-americana do texto adaptado, Cordelia O’Neil, leva o espectador a refletir sobre o poder da esperança, mas acima de tudo sobre a fragilidade humana quando a esperança se esgota. Em cada momento de tensão na peça, com interpretações fantásticas, retrata de forma quase crua e autêntica como a dor pode e afeta as relações humanas.

Os desempenhos destes jovens atores, uma nova geração de talentos do nosso teatro, revelam uma força determinante na construção de duas personagens, aparentemente comuns, mas humanos quando verbalizam vulnerabilidades como o peso da dor, o desespero silencioso de luta interior e a vontade de acreditar que o amor pode ser suficiente para preencher um espaço vazio deixado pela perda.

O público acaba por envolver-se nesta exaustão emocional sob a forma de drama psicológico das duas personagens, desde a inocência do início da sua relação até ao momento de “explosão” da dor.

A peça “Se Acreditares Muito”, que recomendo pelas mensagens e reflexões que nos dirige, não nos oferece respostas fáceis, mas desafia-nos a questionar até que ponto a fé, o amor e a resiliência são suficientes quando a vida se desmorona à nossa volta. Poderia acontecer a qualquer um… pois podia, mas a nossa reação é de pensarmos que só acontece aos outros.

É uma peça que impacta quase de forma visceral, uma sensação agridoce de se pensar que, por vezes, acreditar é tudo o que temos e pode não ser o suficiente para salvar o que foi perdido – neste caso a relação de um jovem casal.

As luzes apagam-se no teatro com o fim da história à vista, mas a experiência e a reflexão transpõem muito mais do que as portas do teatro. Acreditar muito depende sempre da forma como vamos encarar os problemas, se com esperança no futuro, ou entregar-nos ao peso da dor.

Como cita o escritor norte-americano John Green: “A única forma de sair do labirinto do sofrimento é perdoar.” – In À Procura de Alasca de 2005.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico

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