São os órgãos humanos um negócio?

Há uma escassez mundial de órgãos disponíveis para transplante. É um facto confirmado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Este problema é visto como uma oportunidade para aqueles que operam do outro lado da lei – os traficantes. Estes comercializam diversos órgãos humanos (rins, coração, fígado, entre outros) destinados à transplantação. Exceptuando um caso exótico, o do Irão, a comercialização deste tipo de ‘produto’ é considerada uma prática ilegal.

No Irão, o tal caso exótico, a compra e venda de órgãos, enquanto actividade lucrativa, é plenamente legal, ainda que moralmente condenável. Há um ponto positivo no caso iraniano, pelo menos no que respeita aos rins. Não há listas de espera para transplantes renais. E isto até foi visto, no passado, pela American Society of Nephrology como sendo algo positivo. Os mesmos chegaram a afirmar que a compensação monetária pela venda de órgãos pode ser a solução que tanto se procura para a resolução do problema das listas de espera.

Contudo, há um lado perverso neste sistema. Várias investigações e análises realizadas ao modelo iraniano, nos últimos anos, mostram que nem tudo é tão positivo quanto parece. No Irão, dois em cada três ‘dadores’ são, segundo os padrões iranianos de medição de riqueza, pobres ou no limiar da pobreza. Por isso, infere-se que, muitas vezes, a ‘venda’ de órgãos é uma necessidade económica. Para além disto, este tipo de vendas tem resultados desastrosos no que toca à saúde física e mental destes ‘dadores’.

Pronto. Já vimos como funciona o comércio legal de órgãos. Agora segue-se outra questão. Excluindo o Irão, como actuam estes comerciantes? Antes de mais, penso que é melhor esclarecer uma questão. Não estamos a tratar de comerciantes, mas sim de máfias dedicadas à comercialização de órgãos humanos. Estas máfias operam de várias formas. A forma mais convencional é a de sequestro e posterior retirada do órgão. Contudo, o tráfico de órgãos pode, muitas das vezes, ser obra não de uma organização mafiosa ligada aos crimes de sangue, mas sim a organizações que muitas das vezes transparecem confiança e segurança. Disto é o caso de algumas clínicas (muitas delas aparentemente legais), que fazem uma recoleção de órgãos, de duas formas: há vítimas que, por dificuldades financeiras, são forçadas a venderem o seu órgão e há ainda outras que são enganadas ao acreditar que precisam de uma operação cirúrgica, quando na realidade não precisam – o órgão é removido sem o seu conhecimento.

Há ainda, todavia, um caso mais exótico que o iraniano. Trata-se da China. Segundo a Human Rights Watch, está estimado que cerca de 90% dos órgãos disponíveis para transplante sejam de prisioneiros executados, ou que tenham morrido nos estabelecimentos prisionais. Vendo isto por um prisma positivo, é um negócio deveras rentável.

Deixemo-nos de parvoíces. A verdade é que até há bem poucos anos, a China tinha um sistema semelhante ao iraniano. Imaginem tudo o que descrevi atrás e multipliquem por um número infinitamente superior ao iraniano. O número de casos, o tamanho da rede comercial e as consequências são quase inimagináveis. Talvez por causa disso, o governo chinês tenha proibido este tipo de acção comercial. Contudo, a proibição não se ficou por aqui. Foi também vedada a transplantação de pacientes estrangeiros. Tudo isto levou a que os preços globais tenham aumentado substancialmente. Neste ponto, observamos que a China não é só a fábrica do mundo, é também, mesmo depois da proibição, o principal fornecedor mundial de órgãos humanos.

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