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Quando uma língua desaparece…

Uma das primeiras coisas que fazemos é comunicar. Depois de nascer, choramos porque estamos desconfortáveis com a nova realidade; se temos fome ou sede, choramos. Se estamos há muito tempo na mesma posição, choramos. Quando um adulto acena a um bebé ou sorri, ele retribui a tentativa de comunicação com um sorriso ou uma desajeitada imitação do que fizemos. Até quando não falamos, comunicamos.

A comunicação, contudo, não é o que nos distingue de outros animais. Os chimpanzés comunicam entre si e as baleias conseguem emitir sons para outras baleias. No entanto, a posse de uma língua, entre outras coisas, distingue-nos dos animais.

De acordo com a UNESCO, estima-se que existam cerca de 6 000 línguas faladas no mundo (outras fontes referem 6 912, como o Ethnologue). Entre estas, cerca de metade estão em perigo e outras já desapareceram, algumas sem deixarem qualquer traço. Entre as línguas que já se extinguiram, o latim talvez seja a mais conhecida no Ocidente, apesar de ter permanecido indiretamente, pela adaptação e uso de expressões latinas, nas línguas românicas.

Uma língua é muito mais do que um conjunto de signos que usamos para receber ou emitir informações. Na verdade, a língua é uma das componentes da cultura, sendo muito difícil separar uma de outra. Há, até, quem defenda que a língua está para a cultura como os músculos para o esqueleto.

É pela língua que somos socializados numa cultura, isto é, aprendemos a viver na sociedade onde nascemos, os seus valores e, até, aceder à memória coletiva e acervo de conhecimento. O modo como falamos, como tratamos os animais, como é suposto nos comportarmos, como se dirigir a outra pessoa, expressar espiritualidade (ou ausência dela), que importância dar ao meio ambiente ou, até, como cuidar de um bebé, são algumas das caraterísticas da cultura que nos é passada através da educação.

A língua, portanto, é o canal usado para expressar uma determinada cultura, ou cosmovisão, refletindo todas as sucessivas adaptações históricas, pensamento e sistemas filosóficos de gerações anteriores, por vezes milenárias. Por outras palavras, a língua é a manifestação da nossa identidade cultural. E não precisamos ir para longínquas florestas para nos apercebermos disso. Entre nós, nos diferentes subgrupos urbanos, encontraremos diferentes modos de falar, com mais ou menos anglicismos, gírias específicas ou até entre pessoas de classes sociais diferentes.

Como acontece com os diferentes países (ou povos), as línguas não existem num vazio, mas convivem com outras, repetindo a mesma hierarquia nas suas relações.

O povo Maasai saberá quase tanto acerca de leões quanto um biólogo. A língua, contudo, na qual os artigos ou livros ficarão escritos será em inglês, independentemente de se tratar de um investigador norte-americano, neerlandês ou português. Pelo menos se quiser notoriedade e reconhecimento internacional.

Podemos ver, inclusive, uma sucessão de línguas francas na ciência, diplomacia ou negócios que refletem a posição dominante de um povo/nação. Assim, de modo geral no Ocidente e nas suas áreas de influência tivemos, o grego, latim, português, castelhano, neerlandês, francês e, agora, o inglês.

Do ponto de vista político, ainda hoje os efeitos da colonização são visíveis em continentes como África, dividida entre países anglófonos, francófonos e lusófonos, apenas para nomear alguns. Até quando dizemos América Latina, sem intenção, recordamos essa herança colonial, de um continente disputado entre os países ibéricos (latinos) e que tem as suas línguas como nacionais como resultado da supressão e marginalização das línguas locais ou por hegemonia cultural.

Quando uma língua se extingue, desaparece uma parte da humanidade. Sempre que uma língua desaparece, perdem-se para sempre tradições, saberes e formas de ver o mundo. A língua não é apenas um meio de comunicação, mas é como um cordão umbilical que une diferentes gerações, com a transmissão de saberes, tradições culturais, fornecendo uma base identitária. Se essa língua desaparece, então, cai uma ponte que ligava o passado ao presente.

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