Estes últimos anos vão ficar marcados como os anos da crise. Não só de uma crise económica que parece ter esvaziado os bolsos do mundo, mas de uma crise de valores e de confiança nas estruturas sociais. Aquilo que antes parecia ser o caminho mais lógico e correcto começa a ser posto em causa. A democracia já não é vista como o sistema político mais perfeito no meio de tantos maus, o Estado Social, tal como o conhecemos, parece ser um sistema com um prazo de validade quase a expirar e o capitalismo, outrora exaltado como a forma mais eficaz de fazer uma nação se desenvolver, é, agora, identificado como a raiz de todos males. A crise transformou o mundo e abalou todos os alicerces, no qual ele se cimentava.
A segunda metade do século XX, na Europa, viu-se pautada, em termos políticos, por um tipo de organização que surgiu como herança da II Guerra Mundial: o Estado Social. O estado passou a ser o maior agente da economia, regulando e distribuindo a riqueza, de forma a assegurar as necessidades básicas de todos os cidadãos, garantindo o acesso publico a serviços de saúde e educação.
Se nos países nórdicos o sucesso desta fórmula parece perdurar até hoje, em muitos países da Europa este sistema parece ter conduzido os estados a uma realidade debilitante, contribuindo para dívidas públicas astronómicas que ficaram a nu este ano. Na visão do jornalista norte-americano, Robert D. Kaplan, o aumento populacional, a urbanização e a escassez de recursos para satisfazer as necessidades de tantos indivíduos estão a comprometer “a máquina social do planeta”. No artigo “The Coming Anarchy”, de 1994, publicado na Atlantic Monthly, o jornalista deixa bem evidente esta concepção do mundo, realçando que as zonas de conflito de África, Ásia e Médio Oriente constituem-se como um espelho do futuro da sociedade moderna.
Segundo o autor, as questões que o aparelho político daquelas regiões enfrenta – superpopulação, a doença, o crime, escassez de recursos, as migrações de refugiados, a segurança – são um reflexo daquilo que o mundo irá enfrentar no futuro. O estado, nestes países, mostra-se incapaz de responder às necessidades de tantos indivíduos, conduzido a um constante clima de guerra e insegurança naquelas zonas, sendo que, a “anarquia criminal surge como o verdadeiro perigo estratégico”.
Sentimentos nacionalistas ressurgem numa Europa desunida
Se o Estado-Social actual carece de eficácia e liquidez financeira, também a democracia esmoreceu neste ano. Noutro artigo de Kaplan, “Was Democracy a Moments”, de 1997, o jornalista constrói a sua argumentação à volta da tese que a democracia não é sinónimo de estabilidade mundial. Instaurar o sistema democrático em sociedades que não estão preparadas para implementarem este regime apenas reforça os regimes autoritários, legitimando a sua face tirana. No caso europeu, a luta por conseguir uma estrutura democrática foi longa, mas os sucessivos anos de democracia parecem ter mantido as disparidades entre pobres e ricos, concentrado o poder na mão de um grupo pequeno de cidadãos. É incontestável que num sistema livre, a opinião das pessoas pode ser expressada e o direito ao protesto, ou à greve, são princípios garantidos, no entanto, o sentimento que se vive nas ruas é que, também, este sistema governativo sucumbiu às tentações da corrupção e do poder desvirtuando-se dos seus ideias igualitários.
Assim, o ressurgimento de movimentos nacionalistas, radicais de esquerda, ou direita tem vindo a ganhar força no velho continente, onde a democracia e o capitalismo parecem ter sido identificados como a causa da crise profunda vivida no bloco europeu. As soluções dos partidos políticos radicais adquirem cada vez mais votos nas eleições, ressuscitando velhos sentimentos fascistas, que colocam em risco a paz alcançada no rescaldo da II Guerra Mundial.
Não deixa de ser uma coincidência que no ano (2012) em que a União Europeia recebe o prémio Nobel da Paz, a sua unidade e estrutura estejam em causa. A grave situação económica de alguns estados-membros tem dividido o conjunto europeu, na resposta mais adequada para apresentar ao problema. A posição periclitante da Grécia – que ora está comprometida em sair do buraco financeiro em que se encontra, ora se recusa a implementar as medidas de austeridade previstas no memorando de ajuda externa – o perigo iminente que a economia espanhola exibe e a instabilidade política italiana – com a recente demissão do Primeiro-Ministro Mário Monti – deixam prever um 2013 repleto de desafios para o bloco europeu.
A sensação que fica no ar é que o objectivo da União Europeia em descobrir “a homogeneidade na heterogeneidade” da multiplicidade da cultura europeia parece estar a falhar. A ligação emocional da população dos povos pertencentes ao projecto europeu nunca esquentou na realidade e com a conjuntura actual, a identidade globalizada apenas alimenta a vontade de envergar a identidade nacional. “Considerando que no futuro distante, provavelmente, se verá o surgimento de um homem racialmente hibrído e globalizado, as próximas décadas vão tornar-nos mais conscientes das nossas diferenças do que as nossas semelhanças”, refere Robert D. Kaplan no artigo “The Coming Anarchy”.
A voz do povo: novos movimentos sociais
Paris, no final década de 60, foi o palco de um dos maiores movimentos sociais da história da humanidade. A revolta dos estudantes contra a estrutura vigente nas universidades invadiu as ruas francesas e estendeu-se à classe operária, precipitando uma reforma mudando a ordem mundial para sempre. Com este movimento, o cidadão comum quase como que recupera o espirito contestatário e revolucionário que caracterizou a humanidade na luta pela democracia, tomando consciência da força da voz do povo.
Volvido mais de meio século, os movimentos sociais voltam a irromper no mundo ocidental, na esperança de mais uma vez precipitarem a mudança social. Em diferentes partes do globo proliferam os grupos, ou organizações de cidadãos inconformados com a má gestão política dos recursos económicos e com a corrupção e jogos de poder dos governos.
A política volta a interessar aos cidadãos que querem saber o porquê de termos chegado a este ponto, e pretendem restaurar a esperança daqueles que há muito vêem os políticos “como farinha do mesmo saco”. Por isso, o tempo passa, mas a mudança continua a fazer-se no mesmo sítio, nas ruas onde o povo mostra a sua indignação e relembra à classe governante que a sua voz tem (e sempre terá) força para transformar o mundo.