E se alguém dissesse que 2017 marcava a vitória de Portugal no festival da Eurovisão? Pois assim o foi. A 13 de maio, um dia de culto religioso para muitos, com a presença do Santo Padre em Fátima, e de culto desportivo para outros, os irmãos Sobral conquistaram em Kiev o feito que Portugal procura alcançar desde 1964.
Numa postura descontraída, afastada do êxtase festivaleiro, Salvador e Luísa Sobral reavivaram o valor do Festival da Canção e da Eurovisão.
O Festival da Canção apresenta-se no imaginário da nossa identidade pela apresentação dos nossos melhores artistas nesta plataforma europeia. A exposição do que temos de melhor acompanhou, a partir de Simone de Oliveira, uma crítica mordaz ao regime que Portugal viveu, deu continuidade com uma das músicas que serviu de senha para a Revolução dos Cravos e representa a explosão de criatividade do período democrático.
Contudo Salvador Sobral traz algo de diferente. Em pleno declínio de atenção que o Festival tem em Portugal, Salvador e Luísa conseguiram juntar os portugueses à volta das televisões e telemóveis, em noite de celebração para muitos, e obrigar a competências matemáticas à medida que Portugal acrescentava votos em seu favor.
Os artistas tiveram a capacidade de apresentar algo absolutamente inovador neste festival: música, apenas música. A postura de Salvador Sobral muito contribuiu para a atenção mediática que foi ganhando tanto cá como lá fora, mas a defesa pela música e a interpretação deste chamou a atenção, mesmo antes da Eurovisão, com diversas traduções e interpretações a correrem o mundo.
Uma vez mais, Portugal demonstrou a capacidade de afirmação internacional pela qualidade dos nossos artistas. A cultura eleva-se mais um degrau. Os portugueses que nos representaram seguiram este valor maior de representar a qualidade musical, mais do que o espetáculo que a rodeia, tornando Portugal o país embaixador desta causa.
Sob o mote de Celebrar a Diversidade, tivemos a capacidade de nos fazer distinguir, de apresentar uma interpretação do que a Eurovisão para nós representa e isso garantiu-nos a taça e trazer o festival para Portugal. Nos ensaios e bastidores, Salvador foi ainda capaz de fazer passar a mensagem política que era urgente transmitir com este mote – o apoio aos refugiados, neste que é o período mais crítico de fluxos migratórios desde a Segunda Guerra Mundial.
O que vivemos é um momento de enorme felicidade à volta de uma música que fala sobre amor, adorada pela Europa fora e cuja ausência de género permite leituras diversas. Somos do tamanho que somos, mas conseguimos obter reconhecimento nesta que é também a nossa esfera quando apresentamos qualidade e inovação.
No final da noite, fomos capazes de take it away até ao nível mais alto e a simbiose dos irmãos Sobral permite-nos reservar para Lisboa o próximo palco da Europa, a Europa na sua concepção mais alargada, das pessoas e das famílias que vibram para ver e ouvir o que diferente vem dos outros países.