Ligou o telefone e fez uma história.
Fez duas histórias. Quinze segundos ou cousa que o valha, cada uma.
Fez outra.
E outra, mais uma, mais tantas.
Dezenas.
Massajou-se ao lançar as frases feitas, vomitadas por todos, que o enaltecem. Aquela espécie de esfrega da palma da mão em nosso próprio braço, quando nos vem o frio, pelo conforto que nos dá o carinho, ainda que de nós para nós, que o frio não mata esta carência. É o afeto, é só carência afetiva. E vá de esfregar o braço com a palma da mão que mais ninguém aqui está que nos esfregue.
Postou uma foto. Qualquer coisa como: “sê sempre boa pessoa. Os bons isto, os bons aquilo.” Era a descrição. Caso não venha a existir alguém que isto de nós diga em público, já nos salvaguardamos. Os bons devem assumir-se como tal que já vai chegando de quem se assume como má pessoa.
Outra história, new post, música de fundo com letra de auto-bajulação.
“Antes só que mal acompanhado. Os outros invejam o seu brilho. Afaste-se dos tóxicos. #blessed.” E este estar só, de dezenas de histórias onde nos afirmamos sós, orgulhosamente sós. Alguém reage, responde, comenta. Devolve-se interação, mas não se estava só, orgulhosamente? Não se está, na verdade. Cala-se a solidão com histórias, daquelas que se esfumaçam passado horas. Histórias destas que servem o momento. Desaparecem as histórias à mesma velocidade que desaparece a vida que fica e que corrói. E já nada corrói porque desaparece. Sentemo-nos a observar os corações desassossegados em murais de nada, de perfis incongruentes. Afinal menti, estamos sós… na verdade.
E estamos todos a isto coagidos. “Não mostres talento, mostra seguidores.” Primeiro seguidores, depois o resto. Tem de engolir em seco quem disto não gosta e entrar na bolha de fingimento da roleta de solidão perpetuada.
Já não mais podemos criticar o youtube que educa à hora do jantar. Melhor que se filme a cria, se abra uma conta e se lhe entregue, num qualquer aniversário de pré-adolescência, com os seguidores necessários para que consiga provar talento um dia que o queira. Chamemos-lhe os abonos de família da atualidade.
Lamentavelmente, ofereceram-me livros. Não me prepararam para lutar aqui, para escrever aqui. Em cada post, um cunho de autoflagelação. Ninguém preparou os que se duvidam a cada segundo para isto. Mostrar aos outros que somos bons, quando nos sabemos incapazes, na expectativa que alguém nos fale dessa incapacidade e avalie o que deve ser avaliado, para que possamos trabalhar para ser melhores (de verdade)… é fado triste. Provar que se é bom antes de o ser… faz ter náuseas de nós e do mundo.
Melhor que libertemos os nossos filhos disto. Que se dê logo o tablet e não se potenciem sentimentos. Que se registe na conservatória, mas que se atente ao nome de utilizador. Que se guarde logo o domínio para que a cria tenha mais oportunidades de futuro, fará diferença.
E ele, no meio de tanta história feita que se esfumou, qual é a história dele, a de verdade?
E eu, que sou filho da metamorfose, pai da psicose, mestre do sonho. Sou sonho em raça, enrolo a desgraça e publico-a risonho.