Nada correu como planeado

– Anda, vai ser porreiro!

Era um desafio para as minhas primeiras férias sem pais; uma semana pelo Algarve com o meu melhor amigo, o Nobre.

O Nobre – é daqueles cujo aniversário é em cima do dia de Natal, coitado, o que para aqui não interessa nada – era, e ainda é, mais velho que eu uns quatro ou cinco anos, e tinha estudado em Faro, conhecia bem o Algarve, já tinha trabalhado durante as férias de verão em parques aquáticos, conhecia muita gente. Íamos com tudo planeado, no entanto, com nada definido.

Enfim. Os meus pais conheciam os pais dele e conheciam-no desde pequeno e autorizaram que eu fosse com ele uma semana para o Algarve.

Quase sempre, a partir da adolescência, estive incluído em grupos de amigos dois, três, quatro anos mais velhos do que eu: o Nobre, o “Baduda”, o Baguinho, o “Pampa”… Achavam-me graça com certeza.

Ainda sem existirem telemóveis, iam tocar à campainha dos meus pais para me chamarem. Iam beber café, jogar snooker, por vezes ao fim de semana um ou outro jantar. Aqui o puto não tinha dinheiro mas eles não se importavam de pagar. Algumas vezes o meu pai dava-me dinheiro, não queria que eles andassem a pagar-me as coisas. Quando eu não tinha mesmo, acabava por não querer ir e raramente fui com eles.

Eu era o magrelas, envergonhado, introvertido, sem saber que dizer a alguém estranho. O Nobre era o meu ídolo, quando eu crescesse queria ser como ele. Simpático com todos, bem falante, atlético, bom em tudo o que era desporto (por acaso a jogar basquete nunca nos queriam aos dois na mesma equipa, jogávamos bem e entendíamo-nos muito bem), e era popular entre as miúdas. Até “conheci” algumas que o que queriam mesmo era ser “amigas” dele…

Em determinada altura da minha vida de pré-jovem adulto (pronto, se bem me lembro tinha uns dezassete anos), éramos uma espécie de melhores amigos, vá-se lá perceber porquê, e passávamos muito tempo juntos. Fazíamos muito desporto, levantávamos às seis da manhã para ir correr antes das aulas…

Adiante.

E foi assim que surgiu o convite para irmos até ao Algarve.

Lá fomos no Renault 5 velho sem ar condicionado que tinha sido do pai Nobre. Por vezes o motor aquecia e precisava de água. E não havia A2.

Acabámos a primeira noite a jantar e a dormir em casa de um casal amigo dele, perto do aeroporto de Faro; as seguintes num apartamento perto do estádio São Luís emprestado por um amigo, dele. Corremos umas quantas praias, comemos muitas sandes.

Fomos duas noites à “Trigonometria”, à altura uma das melhores discotecas do Algarve e a mais espetacular em que eu tinha alguma vez entrado. Já passaram quase quarenta anos, não me lembro de muito mais. Não me lembro mesmo. Lembro-me que foi divertido.

O que não esqueço é que nada correu como planeado porque nada tinha sido planeado. E qual o mal? Nenhum. Foi uma daquelas aventuras irrepetíveis que ainda hoje lembramos com um enorme sorriso.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico

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