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Millennials: da transição digital ao desencanto económico

É comum recorrermos a divisões de gerações para tentar explicar a diferença de comportamentos ou hábitos entre diferentes pessoas nascidas em períodos diferentes. Estas gerações até acabam por definir o contexto socioeconómico. Por exemplo, a geração silenciosa tende a caraterizar as pessoas nascidas entre 1928 e 1945, mais concretamente, as que viveram entre a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial. Algumas das suas caraterísticas proeminentes prendem-se com a tendência ao conformismo, lealdade institucional e disciplina, o que pode ser justificado pelas dificuldades resultantes da crise económica e da guerra mundial que a sucedeu. Tendo em conta o contexto, nomeadamente, o de incerteza económica, a geração silenciosa valorizava a estabilidade e o trabalho árduo, optando por uma postura mais reservada.

Se avançarmos um pouco mais, encontraremos a geração X (1965 a 1980), onde se encontram os netos da geração silenciosa e os pais dos millennials (geração Y). Esta geração desenvolveu-se num contexto de mais rendimento disponível em cada lar, mas tendo de crescer com pais mais ausentes, promovendo uma maior independência e a exigência de um maior equilíbrio entre a vida profissional e a privada. Estas pessoas têm a peculiaridade de viverem em dois mundos: analógico e digital.

A Geração X desenvolveu-se num contexto de grandes mudanças sociais e tecnológicas, nomeadamente, assistindo ao início da globalização como a conhecemos atualmente.

Os millennials, na qual me incluo, representam todas as pessoas nascidas entre 1981 e 1996. Esta é a geração que cresceu num ambiente de grande desenvolvimento tecnológico, acompanhando a transição da disquete para o CD, PEN e armazenamento na nuvem; aquela geração que brincava na rua até ficar escuro, mas que não perdia uma oportunidade de jogar numa consola (algumas vezes, ligada à televisão) ou num computador. Enfim, passámos a conviver com a tecnologia, desde uma simples ferramenta para nos pôr em contacto com amigos ou colegas, mas, também, enquanto ferramenta de afirmação pessoal.

Esta é a autodenominada «geração à rasca», uma reformulação da anterior «geração rasca», conhecida pelos movimentos estudantis que protestaram contra as provas globais no ensino secundário e as propinas no ensino superior. Também este novo nome surge como um grito de revolta, um reflexo de uma geração confrontada com enormes dificuldades em alcançar a independência económica, a estabilidade profissional e em lidar com o constante aumento do custo de vida. Tal como aconteceu com a chamada geração silenciosa, a geração Y, ou millennials, tem vivido sob o peso de sucessivas crises económicas e conflitos armados. Na prática, tem sido uma sequência de crises, com poucas oportunidades de crescimento e valorização pessoal, contrastando com o que foi possível para gerações anteriores.

Se a geração silenciosa reagiu com alguma resignação, os millennials têm demonstrado uma postura mais ativa e reivindicativa. São disto exemplo os diferentes protestos e manifestações por motivos tão diferentes como a exigência de melhores condições de vida, maior justiça social e igualdade, mas, também, a exigência pelo respeito dos mais elementares direitos humanos em diferentes ambientes: virtual e físico.

É difícil prever o futuro e como as gerações se comportarão ao longo do tempo. Por vezes, acontecimentos dramáticos, como foi o confinamento causado pela COVID-19, podem contribuir para uma mudança substancial nos usos e costumes de pessoas. Além de que, um millennial europeu será ligeiramente diferente de um em África ou na Ásia, em virtude dos contextos socioeconómicos diferentes e distintas realidades culturais e políticas que influenciam as expectativas individuais e até os valores pelos quais se guiam.

Apesar de as diferentes etiquetas em diferentes gerações contribuírem para nos ajudar a compreender tendências coletivas, é importante destacar que estas não são determinismos. Se é verdade que cada pessoa é moldada pelo contexto social, económico e político em que vive, também é verdade que a história individual, nomeadamente, as diferentes escolhas que foi fazendo em função das oportunidades que foram surgindo ao longo da vida, é relevante na formação da identidade individual.

No fundo, compreender as gerações é um modo de compreender a sociedade e como esta evoluiu. Apesar de todas as mudanças, é possível encontrar algo comum a todas: a crença num futuro melhor, de que é possível não apenas sonhar, mas lutar pela sua conquista, assim como, também, a constante adaptação a um mundo em contínua mudança.

No fundo, compreender as gerações é compreender a evolução da sociedade — os seus avanços, retrocessos e contradições. Apesar das etiquetas, nenhuma geração é homogénea, nem definida somente pelo seu tempo de nascimento. O futuro dos millennials, tal como o das gerações que lhes sucedem, continua em aberto, sujeito às transformações rápidas de um mundo globalizado e digital. Mais do que tentar prever o comportamento coletivo, talvez o mais importante seja cultivar o diálogo intergeracional, promovendo empatia, compreensão mútua e colaboração. Afinal, é nesse encontro entre passado, presente e futuro que reside o verdadeiro progresso.

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