“The news is broken”

Esta foi a questão que, há cerca de um ano, surgiu num célebre talk show americano de discussão política a propósito das mentiras contadas em direto por Bryan Williams, famoso pivot de telejornal.

Isto deixou-me a pensar. Muito, mesmo. Os segmentos de notícias, artigos e outras formas de informar têm-se tornado, cada vez mais, desinteressantes (para quem gosta de ser bem informado) e muito mais comerciais e leves. Demasiado. O que mais se faz hoje é jornalismo fácil e leve. Fácil de ver, ler e ouvir.

Vamos lá refletir. Quem é que no final de um dia de trabalho quer ouvir coisas chatas, como factos sobre assuntos enfadonhos? Ninguém, dir-me-ão. Este foi o pensamento que levou os estudiosos das audiências a encontrar uma nova forma de fazer do telejornal um programa tão popular como as telenovelas. Para além do segmento noticioso sério (que, normalmente, dura quinze minutos, se tanto), inclui-se ‘opinião’ (que, muitas vezes, não passa de mexerico ou bota abaixismo populista) e ‘notícias’ que pouco ou nenhum assunto têm.

Este é o escape para a sustentabilidade e rentabilidade, dizem os que tomam estas opções editoriais. Porém, isto de pouco tem valido. Olhemos para os casos dos jornais Sol e i. Nem a mudança de tom, no caso do i, o está a salvar. O jornalismo está a morrer. Para já é o impresso, mas os outros meios já sentem as dificuldades de preservarem o seu estatuto financeiro e editorial. Alguns ainda resistem. Muitos já cederam. Não é preciso dizer quais. Todos nós os conhecemos.

O jornalismo existe por algum motivo. E o motivo não é só dar informação (de qualidade). É, acima de tudo, exercer, através da função de informar, um poder social indispensável: o de fiscalizar os poderes instituídos e de os prevenir de abusar do seu próprio poder.

O poder tende a corromper. O poder absoluto corrompe absolutamente.”

— Lord Acton

É por isso que casos como o Spotlight, que saiu estes dias em filme, se destacam não só no seu ramo, mas no panorama geral da sociedade. Quantos Spotlights existirão nos meios de comunicação? E com o impacto que as suas investigações têm? Muito poucos.

A investigação levada a cabo pela secção (se assim podemos chamar) Spotlight do jornal The Boston Globe resultou no desvendar da prática de pedofilia por parte de vários padres católicos na cidade de Boston, nos últimos 40 anos. Os casos eram do conhecimento do bispo de Boston, mas haviam sido escondidos do público.

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Todavia, as consequências não se limitaram a Boston. Este foi o catalizador de um processo de descoberta de um problema que tinha dimensões globais. O abuso de menores de idade por parte de padres era um problema bem maior do que se pensava e pôs em causa não só padres, mas também bispos, arcebispos, cardeais e o sumo pontífice, o Papa. Estes responsáveis esconderam, durante vários anos, evidências de pedofilia no seio da Igreja.

Contudo, o caminho não foi fácil. Neste caso específico, assistimos a um confronto entre instituições. Os jornalistas enfrentaram a (toda poderosa) Igreja. Investigar uma instituição que, em colaboração com o próprio ministério público e tribunais, conseguia esconder documentos que provavam os atos de pedofilia e dificultar a vida daqueles que investigavam o caso, não é para todos. É, por isso, que muitos optam pelo jornalismo leve e fácil, que não traz qualquer tipo de problemas.

O que aconteceu em Boston há mais de dez anos foi a atuação do jornalismo, enquanto uma espécie de quarto poder, que fez frente aos poderes instituídos, em defesa do ‘bem maior’ e da justiça.

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