Manuel Moreira: “A melhor forma de activismo é sermos sempre nós próprios”

Félix é um boneco azul, tem cabelo ruivo e usa óculos. Quem lhe dá vida é o actor Manuel Moreira, que se formou no Conservatório da Escola Superior de Teatro e Cinema. Em Setembro, boneco e humano voltam juntos ao palco com a peça “Avenida Q”. Na trama, as personagens do imaginário da “Rua Sésamo” vivem os problemas dos adultos. Na vida fora do teatro, Manuel Moreira afirma que só se sente adulto “quando chegam as contas para pagar”.

Contudo, a vida não se faz apenas de contas: há muito riso, mas a descriminação e as inverdades políticas são uma realidade. Por isso, quer seja através do projecto “Criada Malcriada”, quer seja via redes sociais, Manuel Moreira procura fazer a diferença denunciado casos de injustiça.

Ainda te lembras de alguma piada dos “Malucos do Riso”?

Não me lembro de nenhuma, já passaram muitos anos e não é um tipo de humor com que me identifique. Adorei trabalhar com aquela equipa, nunca fui tão bem tratado como ali mas do conteúdo do programa não me ficou nada.

Na imprensa, há muitas referências ao facto de estares algum tempo afastado da televisão. Foi uma decisão ou simplesmente aconteceu?

Quando decidi ir para o Conservatório tornou-se quase inevitável que me dedicasse mais ao teatro do que à televisão durante os anos seguintes. Mais recentemente, tem sido uma questão de timings. Quando sou chamado não estou disponível e quando estou disponível não sou chamado. Mas gosto muito de fazer televisão e acontecerá em breve, de certeza.

Preocupa-te essa instabilidade que a vida de actor acarreta?

Acho que hoje em dia são poucas as profissões verdadeiramente estáveis. Claro que há alturas em que dormimos pior por não ter a certeza do que se vai passar a seguir, mas a instabilidade da minha profissão é algo que está muito bem resolvido na minha cabeça há muito tempo e aprendi cedo a lidar com isso.

Na “Avenida Q”, há uma série de bonecos a passar por problemas universais – e bem reais. Revês-te no drama de ter dificuldades em assumir que já és adulto?

Às vezes esqueço-me que sou adulto, porque continuo a ter a mesma energia para sair à noite, dançar e passar dias inteiros a rir com os meus amigos. Nunca tive aquele momento definitivo de transição que algumas pessoas vivem quando casam ou têm o primeiro emprego a sério ou têm o primeiro filho e em que vestem de repente a camisola do “adulto”. Só me sinto adulto quando chegam as contas para pagar. Aí não há como fugir, mas, como sempre fui bastante independente desde novo, isso para mim sempre fez parte da vida.

Usas o Facebook para fazer crítica política e para apelares para algumas causas sociais. Acreditas que os meios digitais têm, de facto, poder para ajudar a mudar o que está mal?

Eu acredito que a melhor forma de activismo é sermos sempre nós próprios, onde quer que estejamos. E toda a gente está no Facebook e no Instagram. Por isso, tanto tento fazer a diferença numa conversa de café com quem esteja à minha volta, não me inibindo nunca de dizer o que penso ou mostrar o que sou, como digo o que penso no Facebook sem grandes tentativas de construir uma “personagem virtual”. O importante mesmo é nunca deixarmos de falar uns com os outros.

As vozes que emprestas ao projecto “Criada Malcriada” também fazem críticas aguerridas à sociedade. No Facebook disseste que fazer estas dobragens foi “o melhor” do teu ano. Porquê?

Porque foi um ano complicado a nível pessoal e a “Criada Malcriada” é um projecto que me diverte. O criador da Criada, o Hugo Van der Ding, é um dos meus melhores amigos e trabalhar com ele não parece trabalho. Estamos sempre a rir e rir é o que mais gosto de fazer.

Participaste na terceira temporada da novela “Única Mulher”. As novelas terem temporadas parece estar a tornar-se uma tendência. Como é que olhas para este fenómeno? É uma consequência da qualidade das histórias?

Parece-me que é uma questão de marketing. As novelas são mais rentáveis quanto mais longas forem e, se isso implica mais trabalho para os actores, óptimo.

Trabalhaste nas séries juvenis “Morangos com Açúcar” e “Rebelde Way”. As duas tiveram percursos bem diferentes: os “Morangos com Açúcar” chegaram à nona temporada e a “Rebelde Way” teve alguma dificuldade em afirmar-se. O que é que pode ajudar a explicar esta diferença?

Não posso falar muito pela “Rebelde Way”, porque só participei no arranque e não acompanhei o resto da série. Os “Morangos com Açúcar” eram um formato novo, penso que nunca tinha sido feita uma série diária de longa duração a pensar nos jovens e isso traduziu-se em sucesso. A primeira temporada da série tinha uma energia especial porque era muito naïve, não era um produto de actores bonzões, havia uma ternura muito grande das pessoas por aqueles personagens e adoro ter feito parte disso. Somos todos muito amigos até hoje.

A minha família é uma animação”, “Uma Aventura”, “Morangos com Açúcar”, “Rebelde Way”. O que é que fica desses tempos?

Os amigos.

Há alguma personagem que quisesses muito fazer? Alguma peça em que queiras participar?

Gostava de continuar a trabalhar com a Mala Voadora [companhia de teatro]. De resto, a melhor personagem é quase sempre a próxima. Não sou de fazer planos, gosto de ser surpreendido.

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