João Ramalho-Santos: “Desde que a espécie humana se conhece que manipula o desconhecido”

João Ramalho-Santos, Professor no Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra, lidera o Grupo de Investigação de Biologia da Reprodução e Células Estaminais no Centro de Neurociências e Biologia Celular e investiga assuntos relacionados com a infetilidade, reprodução assistida e células estaminais. Na TEDx FigueirodosVinhos vai falar-nos sobre o futuro da espécie humana e as consequências da manipulação genética para o Homem.

Em que consiste, de um modo geral, a manipulação genética?

Os genes dão instruções para a realização de diferentes funções no nosso organismo (ou em qualquer outro). Quase nunca são lineares, mas há casos muito concretos em que um gene está modificado e isso dá origem a uma doença grave sem cura, como a doença de Machado-Joseph, a coreia de Huntington ou a Polineuropatia Amiloidótica Familiar (“doença dos pezinhos”). A manipulação genética consiste em trocar o gene modificado por uma cópia “normal”, em indivíduos adultos ou em embriões. A isto chama-se terapia génica. Claro que, teoricamente, também se podem fazer trocas de genes de modo a promover outro tipo de alterações que não causam doenças e tentar manipular as características de uma pessoa, apesar de isso nunca ser fácil, porque raramente a ação dos genes é linear.

Quais as vantagens que a manipulação genética pode trazer à espécie humana e à melhoria da qualidade de vida da mesma?

Na saúde humana o que está acima: abordar doenças sem cura. Há toda uma outra parte, nomeadamente a que envolve organismos geneticamente modificados ou OGMs, mas isso não faz parte da minha área de atividade.

De que forma é que o elevado custo financeiro da manipulação genética pode ser um inconveniente?

Claro que é sempre um inconveniente, mas o custo está a descer. Seja como for tem de se discutir em que se gasta o dinheiro, ou se se deve deixar este tipo de intervenções para os privados (com as consequências que isso também tem).

Que desvantagens advêm da manipulação genética?

As mesmas de qualquer outro tratamento experimental: custos e eficiência. Há uma ferramenta nova que se cré ser muito mais precisa do que as anteriores para fazer manipulação genética – o CRISPR-Cas9, e já está a ser aplicada de forma experimental em modelos animais e embriões.

Tendo em conta que o conhecimento do ADN é muito limitado, será arriscado manipular o desconhecido?

Este tipo de pergunta cansa um pouco… Desde que a espécie humana se conhece que manipula o desconhecido e neste caso há muito que até é conhecido. Desde que não se ache que a Ciência faz milagres e haja um controlo ético da investigação não vejo problema maior. Claro que, como há paraísos fiscais, também os há científicos, onde tudo é permitido.

O que trará a manipulação genética para o Homem e para o futuro da espécie humana?

Prever o resultado só mesmo depois do fim do jogo… Pode ajudar a criar novos organismos e a resolver problemas que não têm atualmente solução. Mas duvido que seja mais do que uma ferramenta. O futuro da espécie humana decide-se a outros níveis: políticos, económicos e sociais. Fazer deste tipo de coisas um bicho-papão é um pouco irónico quando temos a Coreia do Norte, os problemas com o clima, o terrorismo…

Na sua opinião, seria necessário mais apoio financeiro para as pesquisas desenvolvidas nesta área?

É preciso apoiar a investigação como um todo, não só nesta área, já que muitas das inovações (até inesperadas) surgem dela.

O estudo da manipulação genética em Portugal é suficientemente avançado? Falta alguma coisa?

Há já vários grupos a trabalhar de forma séria nesta área. O que falta é o mesmo que falta noutras áreas: somos um país com falta de recursos e que exporta cérebros muito bem preparados para outros países, logo é difícil ter massa crítica. Mas a Ciência é global.

Que descobertas importantes foram feitas em Portugal nesta área?

As descobertas feitas em Portugal relacionam-se sobretudo com doenças raras caraterísticas do nosso país  como  a doença de Machado-Joseph, a coreia de Huntington ou a Polineuropatia Amiloidótica Familiar  (“doença dos pezinhos”).

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