Esta semana surgiu nas notícias, acompanhando a nossa (des)interessante e atribulada realidade política, o relato de uma rapariga de 18 anos que durante anos recebeu dinheiro para publicar fotos no Instagram, criando cenários de uma vida perfeita. Sentindo-se uma farsa, resolveu relatar a sua verdadeira experiência, nomeadamente revelando a realidade por detrás de muitas fotos, textos que dão dó de ler, não pela pessoa em si, mas sim pelo significado que isso tem para a sociedade de hoje.
Vivemos numa época de uma realidade fabricada, espelhada através das publicidades, da internet e das redes sociais, onde nos confrontamos com pessoas perfeitas, com corpos extraordinários, rostos sublimes e roupas impecáveis. Viajamos pelo mundo virtual e encontramos um verdadeiro culto ao corpo e à imagem, desenvolvido ostensivamente por jovens influenciados por anos e anos de verdadeira deturpação do que é ser humano.
A Internet e as redes sociais são impressionantes meios de comunicação, que colmataram algumas questões, nomeadamente aproximando culturas e povos diferentes, encurtando as distâncias e permitindo um acesso privilegiado à informação. Não fosse este avanço e não estaria, neste momento, a partilhar as minhas ideias e, na minha profissão, teria de encontrar meios alternativos para fazer chegar a minha mensagem, cingindo-me a um grupo mais restrito de hipóteses.
No entanto, o que vimos, e que, de certa forma, precede os próprios meios virtuais, foi uma crescente importância do corpo, da imagem, de uma suposta perfeição que se tornou doentia. Um corpo numa publicidade já não é o de uma pessoa, é uma modelação informática que corta, amplia, põe e tira cor, um trabalho magnífico de um artista digital, mas também a manifestação de uma impressionante desconexão dos valores humanos.
Há pouco tempo, apercebi-me desta faceta da nossa realidade através de um jovem de pouco mais de 15 anos que tinha como uma das preocupações ter abdominais, tão simplesmente porque uma grande parte dos colegas de turma tinham. Se ele realmente o desejava, não, mas sentia necessidade disso para, supostamente, ser aceite. Como ele, muitas raparigas também procuram ser iguais às imagens que encontram espalhadas de modelos, aparentemente pessoas cujas vidas são perfeitas, mas que vamos sabendo que não o são. Estes jovens são os adultos de amanhã e o que eles transportam para esse momento, que hoje já vemos em muitos adultos, é uma lacuna de autoestima, de valorização pessoal, de aceitação de si mesmos, que leva a um problema muito maior, o de falta de uma verdadeira identidade.
Quando pensei neste tema para esta crónica, pensei em mais do que esta complexa realidade, pois sinto que este factor que descrevi é apenas uma das reflexões de algo muito maior e que encontramos na internet e nas redes sociais, o de uma vivência absoluta e doentia duma realidade alternativa e paralela. Vivemos tempos complexos, onde as pessoas vão para as caixas de comentários destilar o seu ódio e as suas frustrações. Os insultos são impressionantes e assustadores, revelando que deixámos, há muito tempo, de pensar seja sobre o que for para viver no consumo de produto processado, mastigado e, muitas vezes, estragado. As pessoas vivem uma realidade no mundo real e outra no mundo virtual e, muitas vezes, transformam esse mesmo mundo virtual na sua realidade constante, apagando-se da sociedade, anulando-se enquanto pessoas para serem alter-egos virtuais, super-homens e mulheres de um mundo que, na realidade, cada dia mais, apercebemo-nos que não existe.
Acredito que não foi para isto que a humanidade chegou ao desenvolvimento da sociedade da informação, mas acredito que temos de passar por aqui para podermos encontrar um ponto de equilíbrio. A humanidade tem feridas profundas e este é mais um meio de as purgar. No entanto, cabe a todos nós tomar consciência do que estamos a criar, nomeadamente em relação às crianças e aos jovens, cada dia mais ligados ao mundo informático e à sociedade de informação, cada vez mais dependentes das redes sociais, tantas vezes desconectados dos valores de família, de amizade e de entreajuda.
Sou optimista por natureza, mas realista por convicção, e creio que esta é uma face do mundo de hoje que nos está a cair nos braços, que todos os dias se revela mais intensa e pesada, mais urgente de ser trabalhada e resolvida. Esta é a insanidade virtual que pode ser um pesadelo no futuro, se não for, agora, pensada, vista e trabalhada seriamente.