Levianamente, poderíamos falar na derrota dos media tradicionais ou no poder dos social media. Contudo, quando os meios de comunicação não exercem a sua função enquanto motores de uma cidadania mais esclarecida, apenas podemos falar em derrota.
Eis Donald Trump. Eis o 45º presidente dos Estados Unidos da América. Pode, ainda, parecer surreal, mas ambas expressões são referentes ao mesmo homem. A “surpresa” continua a gerar debate. Procuram-se as razões. E discute-se o papel dos meios de comunicação nestas eleições.
A pós-verdade, a responsabilidade do jornalismo e dos social media são pontos que entram em discussão nesta procura por respostas à pergunta: qual o papel dos meios de comunicação nestas eleições?
Os media noticiosos levaram algum tempo a compreender que a candidatura do empresário era para ser levada a sério, mas, em seguida, muitos declararam apoio a Hillary Clinton e condenaram Donald Trump. No dia 9 de novembro de 2016, acordaram surpreendidos. A questão impõe-se: o jornalismo perdeu o seu poder?
A este respeito, o jornalista da revista The New Yorker, Steve Coll, apresentou, na sua entrevista ao El País, um ponto interessante que não podemos ignorar: “A confiança na imprensa vem caindo de forma constante nos últimos 30 ou 40 anos. Não sei quando foi muito alta, mas agora é claramente muito baixa. Isto não significa que as pessoas não procurem ou não priorizem a informação que obtém de meios confiáveis. Mas Trump construiu a narrativa da sua campanha como uma rebelião contra o establishment. Que mais de uma centena de jornais apoiassem Clinton era mais uma prova da conspiração do establishment”.
Acrescenta-se, ainda, uma outra questão à discussão: a circulação de informação falsa nos social media. Os dicionários Oxford escolhem como palavra do ano o termo “pós-verdade” e o debate atinge uma nova dimensão.
Contudo, seria errado nomear como únicos culpados os social media. Esta diluição da fronteira entre a verdade e a mentira não é de agora. Aliás, facilmente associamos este fenómeno com a conhecida frase “uma mentira repetida milhares de vezes vira uma verdade”. Frase do chefe da propaganda nazi, Joseph Goebbels, dita antes da existência do Facebook e de outras plataformas similares.
Por outro lado, a crise financeira põe em risco a capacidade do jornalismo para fazer um trabalho de qualidade nesta era da “pós-verdade”. O frágil modelo de negócio acaba, muitas vezes, por pôr em causa responsabilidade da instituição perante a sociedade.
Não seria rigoroso dizer que a culpa é dos meios de comunicação, mas, a verdade, é que também são responsáveis. Levianamente, poderíamos falar na derrota dos media tradicionais ou no poder dos social media. Contudo, quando os meios de comunicação não exercem a sua função enquanto motores de uma cidadania mais esclarecida, apenas podemos falar em derrota.
E o que se pode fazer perante este cenário? Sinceramente, é difícil dizer. A vitória de Trump deu apenas visibilidade ao debate, porém, muitas destas questões não são de agora e, ainda, poderemos vir a assistir a muitas “réplicas”.
Contudo, há dois pontos absolutamente essenciais evidenciados pelo Professor Catedrático em Ciências da Comunicação, Manuel Pinto, no espaço de opinião da Renascença: “Neste contexto, nunca foi tão necessário como hoje quer o trabalho competente de quem filtra, pesquisa e verifica a informação que circula no espaço público, dando aos cidadãos os instrumentos que lhes permitam avaliar o grau de fiabilidade da informação que recebem. Mas também nunca como hoje foi tão fundamental a preparação de cidadãos capazes de verificar a fiabilidade e consistência dessa mesma informação. O movimento tem de partir dos dois lados e sem qualquer deles, o espaço público fica coxo e definha.”