… ou a história de como uma música quase estragou um filme.
O filme é antigo, de 1994. Consegue ver-se pela total ausência de telemóveis e internet no mesmo, e de rugas no Johnny Depp. No entanto, é daqueles filmes que guardo carinhosamente numa prateleira, qual exposição de museu, fruto de um altura em que todos achámos que o DVD seria uma tecnologia mais duradoura. Chamem-me sentimental, mas não consigo livrar-me dele e dos que o rodeiam.
Quem estava vivo e com idade para se lembrar desses dias, sabe que a música que acompanha o filme, “Have you ever really loved a woman” de Bryan Adams (o “really” aparece em itálico nos créditos do filme, para não termos dúvidas da intensidade da pergunta), passou na rádio, na MTV e nos programas semanais de música mais do que seria razoável. Aliás, acredito que muita gente que não se lembra de um tempo em que a MTV era um canal de música, conheça o tema referido porque ainda hoje o ouço por aí. Quanto a isto sou suspeita, não gosto da música. Acho-a de um romantismo exagerado e meloso demais para mim. O que fez a maioria, eu incluída, foi achar que o filme sofreria do mesmo mal. Ora, sendo eu uma adolescente cheia de “pêlo na venta” decidi que nunca, jamais, veria tal melodrama romântico. A promessa durou o tempo da família alugar o filme e eu não ter nada melhor para fazer nesse dia. A minha verdadeira admiração foi o quanto me ri com o filme que pensei que ia ser daqueles que acabavam com a minha mãe a chorar, e eu também, mas pelo tempo perdido. É divertido, enternecedor e sim, romântico, mas sem ser piroso. Para os mais atentos, levanta também algumas questões pertinentes sobre a nossa forma de estar no mundo.
A história começa com um jovem de 21 anos (Johnny Depp), de capa, espada e mascarilha, que tenta suicidar-se de uma forma original. A polícia chama ao local o psiquiatra Dr. Mickler (Marlon Brando) que o convence a desistir da tentativa e contar-lhe a sua história, já internado num hospital psiquiátrico. O jovem identifica-se como Don Juan, o melhor amante do mundo, e conta a sua vida desde o momento em que o seus pais se conheceram, as suas viagens e as mais de 1500 mulheres que conquistou. Ao investigar o que lhe é contado, Dr. Mickler vê a história a ser desmentida por um lado e confirmada por outro, e percebe que a ficção não é assim tão distinta da realidade. Simultaneamente, ao deixar-se influenciar por Don Juan, começa também a alterar a sua atitude em relação ao seu próprio casamento de mais de 30 anos.
Como em qualquer outra arte, cada um verá coisas diferentes, mas para mim este filme fala de saúde mental, de depressão e de fugir da realidade para lidar com as coisas menos boas da vida. Mas não nos deixa com um gosto amargo na boca, pelo contrário, mostra-nos como a nossa percepção pode alterar a realidade, que nunca é tarde para recomeçar e o poder de procurar o melhor nos outros. Será também uma forma de romantismo? Talvez. Mas continuo a manter a distância da música.
Ao longo dos anos, descobri que várias pessoas tinham feito o mesmo julgamento apressado que eu fiz. Ainda recentemente, um amigo olhou para a prateleira e perguntou-me que filme era aquele. “Aquele da música do Bryan Adams…”, disse eu, sabendo que a seguir veria a tradicional reviradela de olhos. Mais um que nunca tinha visto o filme porque não queria ver lamechices. E pronto, lá estive eu a defender a honra do filme e a tentar convencê-lo a dar uma oportunidade. Sei que outros farão o mesmo e deixo lá o DVD para começar a conversa. Se conseguir convencer mais alguém com este texto, já valeu a pena.