Deveres Unilaterais

O Estado é o dono disto tudo. O Estado é o único que tem deveres.

É verdade que pagamos muitos imposto e que passamos grande parte do ano a trabalhar para pagá-los em vez de usufruímos do rendimentos do nosso trabalho, como deveria ser.

Por outro lado, é recorrente ler-se, em especial nas redes sociais os desabafos dos cidadãos em relação ao que o Estado não faz e muito pouco a elogiar. Também é verdade que o Estado nem sempre faz o que lhe compete e é um péssimo pagador. No entanto isso não afasta dos cidadãos as suas responsabilidades, ainda para mais se pagamos tantos impostos deveríamos ter mais atenção ao espaço público, já que grande parte do que é feito é com o nosso dinheiro.

Lamentavelmente os cidadãos parecem esquecer-se disso, querem obra feita e quando a mesma é feita querem que seja o Estado a olhar por ela. Claro que o Estado tem o dever zelar pelos bens públicos que disponibiliza para os seus cidadãos mas não terá o cidadão de ter também um papel ativo nisso? Parece-me que é um problema cultural, muito português a falta de intervenção cívica e uma óbvia dificuldade em elogiar o excelente trabalho ou um bom desempenho. Parece que o fazer bem é uma coisa que naturalmente tem de acontecer, já o que sai mal é uma desgraça e deve ser penalizada de imediato! Não somos cidadãos exemplares, o Estado também é feito de pessoas, com falhas e qualidades não é uma entidade abstrata constituída por fantasmas.

O Estado somos todos nós. Elegemos um conjunto de pessoas para nos representar que farão durante um período de tempo a gestão do Estado mas cabe-nos a todos nós, como cidadãos vigiar e cuidar dos espaços que partilhamos e que são para utilização comum. Sempre que sujamos o chão, deixamos o cãozinho fazer um cocó no meio da rua, deixamos monos gigantes junto aos contentores ou na via pública, partimos um baloiço ou deixamos uma árvore morrer de sede estamos a demitir-nos do nosso papel de cuidadores do espaço público.

Nunca existirão varredores de rua suficientes para limpar todas as máscaras que caem ao chão nem as recolhas se farão em dias festivos, sabemos disso não é? Mas insistimos entupir os caixotes do lixo no natal sabendo que também aquelas pessoas, que fazem aquele trabalho, estão em casa a celebrar. Os moradores dos bairros assumem que tem de ser a câmara ou a junta de freguesia a limpar tudo a qualquer hora e momento mas são incapazes de regar as plantas ou as árvores que têm à porta de casa.

A juntar a isto tudo ainda temos pessoas que se insurgem quanto à disciplina de cidadania que as escolas começaram a lecionar. Não são apenas as questões de género ou sexualidade que estão em causa é o respeito por nós próprios, pelo outros e pela comunidade. Já andámos de carro sem a obrigatoriedade dos cintos de segurança, já deitamos papeis e beatas para o chão por acharmos normal e hoje tudo isto parece estranho! Aprendemos a reciclar e a transformar e procuramos adotar comportamentos mais amigos do ambiente, pequenos gestos que constroem uma sociedade melhor.

É assim que nasce uma consciência cívica saudável, fazemos por nós e pelos outros porque nem os deveres ou as obrigações são unilaterais.

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