Como governar um mundo em crise?

Do mundo pós II Guerra Mundial, uma nova forma de estar, um novo estilo de vida emergiu dos escombros da destruição: uma sociedade assente num governo representativo, com uma vocação social clara, numa concepção económica de mercado livre, num mundo dominado pelo Estado de Direito e onde a sociedade civil ganhou destaque. Este foi o mundo que despontou da Guerra e norteou a conduta das nações europeias e a norte-americana nos últimos anos. Porém, o advento das novas tecnologias e o stress do próprio sistema capitalista estão a colocar em causa estas instituições, levando alguns autores a afirmarem que a governação feita nos moldes de hoje deve ser radicalmente transformada.

Para o historiador britânico, Niall Ferguson, professor em Harvard e investigador em Oxford, as bases que outrora eram sinónimo de progresso, prosperidade e vitalidade económica e que fizeram do Ocidente, a partir de 1500, a força dominante são as mesmas que, hoje, conduzem o Ocidente para o declínio. Os quatro pilares que fizeram todo o sentido anteriormente, agora estão a condicionar as economias ocidentais que enfrentam problemas como défices públicos e a desaceleração do crescimento económico, aliados a uma população cada vez mais envelhecida e com comportamentos sociais desviantes contra a ordem pré-estabelecida.

No seu livro The Great Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die (2012), Ferguson faz um retrato do mundo actual: a revolução da Primavera Árabe, que está a conduzir os povos árabes para a tão esperada democracia; a transição da economia chinesa para uma estratégia mais capitalista e a decadência das instituições europeias e norte-americanas, que minam a hegemonia ocidental. É neste novo mundo, que segundo o autor, as estruturas de antes já não fazem sentido, sendo necessário uma mudança radical.

Num artigo publicado em Abril de 2011, intitulado “If I ruled the world”, Niall Ferguson afirma que “ruling”, governar, é um anacronismo que fazia sentido no seculo XVII, mas que na sociedade vigente já não se aplica. Para Ferguson, o acto de governar “baseia-se numa cadeia de comando, em que o governante se senta no seu palácio a dar ordens aos funcionários que devem estar dispostos e capazes de transformar as ordens em acções. Isso funciona melhor, quando há duas coisas: a tecnologia para transmitir ordens escritas de cima para baixo e as instituições para manter uma função pública com nível maior de alfabetização do que a população.”

Contudo, agora vivemos na era da informação e da tecnologia, onde a sociedade civil assume um papel mais activo, privilegiando formas de participação não convencionais e distanciando-se do aparelho do Estado e aproximando-se das redes sociais. O mundo está conectado naquilo a que Ferguson chama de “interligações e sobreposições de redes”, que desafiam as instituições tradicionais de poder. Por isso, o historiador afirma que, se ele governasse o mundo, substituía as formas tradicionais de poder “por redes”. Os autocratas seriam todos depostos do poder e as estruturas ocupadas por eles seriam simplificadas e menos burocráticas. Quanto à economia, comissões de executivos tomariam as rédeas das grandes empresas, tomando o lugar dos CEOs, delegando o poder por vários departamentos.

Alguns podem alegar que o “mundo de Ferguson” seria uma anarquia, mas, para o historiador, governar de cima para baixo, numa sociedade que se recusa a obedecer cegamente sem antes perceber o porquê, perdeu todo o sentido. Hoje, a figura de autoridade perdeu a legitimidade para ser substituída pelo papel do líder que para o autor faz algo bem diferente do que governar.

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