Os enfermeiros são esses seres cheios de uma chama especial, uma versão humana de anjos que zelam pelos necessitados. Este mote, já que a medicina e a enfermagem andam de mãos juntas, serve para recordar uma pessoa muito especial que, antes do tempo corrente, foi uma profissional que se aventurou nas artes de cuidar de outrem.
Nasceu em 1905, em Campelo, mas cedo se mudou para Lisboa onde veio para estudar. Mulher de várias formas de estar e com dotes em vários sentidos, teve várias profissões, mas a que importa referir é a de enfermeira parteira.
Aprendeu a arte da enfermagem com as Irmãs Enfermeiras Franciscanas do Hospital de Jesus e exerceu nas maternidades Alfredo da Costa e Magalhães Coutinho, entre 1931 e 1935, com a Dra. Maria Leão, uma obstetra de renome. Parecia talhada para a função.
Conhece, então, Maria Eugénia Dias Ferreira e acompanha o nascimento da primeira filha e da outra que se segue. Ficam próximas e será o maior apoio desta família, aliás, nas palavra de uma descendente, foi a peça essencial para que a família funcionasse.
Mas nem só de trabalho vive uma mulher. O amor, esse arrebatador sentimento ganha terreno. Joaquim Baptista surge na sua vida. São jovens, apaixonam-se e casam-se. Lagoa passa a ser a sua casa, onde tudo fazia sentido para uma existência completa.
Durante muito tempo foi perceptora das meninas que vão crescendo. Nos anos em que a família se deslocava a Moçambique, e foram dez, era ela que, com todos os cuidados, fazia o duplo papel e educadora e de mãe. Tinha um dom natural para lidar com os mais novos apesar do seu nariz empinado.
Pedem-lhe para ficar e vai ficando, para depois cuidar da filha da sua “menina” que necessitava de cuidados especiais, uma criança que foi um desafio gigante e que ela sabia como domar nas suas fases mais complexas. O desconhecido não assustava e foi isso mesmo que fez.
Trabalhou até aos 70 anos com a mesma fibra de sempre, com o Dr. Grade, de Lagoa e o Dr. Silveira, de Portimão. Não obstante os vários consultórios onde exercia a sua arte, muitas foram as mulheres que recorreram aos seus bons serviços para que os partos corressem da melhor maneira.
Os ensinamentos que recebeu foram certos, mas na sua fibra residia magia que fazia tudo acontecer. Sem estudos elaborados por grupos de investigadores nem leituras de quem nunca soube o que era uma criança, a Cecília entendia o que se fazer em situações básicas bem como nas de limite.
Muito antes das muitas teorias sobre puericultura, ela já sabia como lidar com todas as situações. Algo de especial morava nesta mulher que sabia como se resolver o mais complicado. Mais não fez por impossibilidade técnica. E se alguma dúvida existia, era a ela que recorriam. Deixou saudades em muitos que viu nascer e que a recordam com amor.
Homens e mulheres dividiam tarefas e algumas eram interditas quer a uns, quer a outros. Cecília não queria saber disso e o amor imenso que vivia dentro dela, fez avançar a pessoa a quem os médicos pediam conselhos e com quem iam dialogar. Um ser cheio de luz que deixou ficar os seus ensinamentos.
Morreu muito velhinha e a família Dias Ferreira acolheu-a no seu mausoléu. Para eles a Cecília era da família e as suas ordens teriam de ser cumpridas. O espírito de chefia pode ter pintado o cenário um pouco mais cinzento, mas a cor que ficou foi de amor. Há muita saudade que ainda paira no ar.
Curioso é verificar como esta mulher, aquela que foi a mãe auxiliar de muitos bebés, nunca teve um filho seu. Entre sobrinhos e outros, criou laços muito emotivos com uma sobrinha-afilhada, que lhe herdou o nome. O sentimento era recíproco e ela tratava-a por Mãe Duas. O amor ficou bem espalhado.
Há pessoas que nascem antes do tempo e outras, que de tão importantes, são as que aparecem no tempo certo. Cecília pertenceu às duas categorias. Antes do tempo pelos conhecimentos e interesses que tinha e no tempo certo, por ter feito a diferença na vida de muitos.