Quando pensamos em dependência emocional, parece surgir a ideia de uma definição clínica e distante da realidade comum, contudo recordar expressões como “encontrar a cara-metade” ou “almas gémeas” remete para um padrão aceitável para o qual todos contribuímos inofensivamente. Estes exemplos sugestivos do conceito socialmente tolerável de necessitar do outro para completar-se, são considerados inócuos e até bastante característicos das relações humanas. A paixão acenderá a voz que exclama “Encontrei a metade da minha laranja!”, parecendo nascer de pensamentos destes ou semelhantes o descarrilar do sentido de identidade e de construtor por excelência da minha felicidade. Consentimos deste modo que a nossa aceitação e satisfação estejam nas mãos de terceiros e iniciamos a dependência.
Estes padrões multiplicam-se ao longo da vida quando somos impelidos a fazer escolhas: ter ou não filhos, o nome da criança, as roupas, o desporto, a Universidade, quando casar, quem amar, o que comer, o que beber, o que vestir, que música ouvir, que palavrão dizer ou não o fazer de todo, que carro conduzir, o que escrever, que convenções respeitar… Puf … Há um fortíssimo critério que é a cola que une estes exemplos: SATISFAZER A EXPECTATIVA DO OUTRO. Porém, se é da satisfação do outro que falamos então quem fica feliz? Nós ou o outro? Estaremos perante um fenómeno humanitário de larga escala em que a satisfação alheia é o nosso propósito e missão de vida? Seremos o Homus Cachorrinho identificado por Bregman? Seres bonzinhos e fofinhos que necessitam da aprovação constante, naturalmente bondosos como resultado da evolução?
Que custo individual teria de agir de acordo com o que eu desejo? Se fizer o que quero sem me preocupar com a aceitação da família, dos amigos, da comunidade onde estou terei de refugiar-me em solidão? Serei excluída? E se não me comportar como a expectativa social o dita? Se mudar a cor do cabelo? As roupas? O nome? A identidade? Como conseguirei que a minha vida faça sentido sem o outro? Sem a aprovação dos meus pares quem serei? Serei EU! E isso bastará? Ou ficarei SÓ? A evolução humana seria condicionada pela ousadia de não existir harmonia na dependência emocional? Harari defende que a sobrevivência do Homo Sapiens se deveu à cooperação e não exatamente à superioridade intelectual ou de força. Será a satisfação da expectativa social a moeda de troca que permite a evolução e a estabilidade da espécie? Bregman também defende que a cooperação desempenhou um papel crucial no cuidado e proteção dos membros mais vulneráveis da comunidade, como crianças e idosos, salvaguardou a melhor sobrevivência e crescimento da geração seguinte, e garantiu a transmissão de saberes e experiências acumuladas ao longo do tempo. Como consequência, os seres humanos desenvolveram a aptidão para trabalhar em grupo e colaborar para o bem comum.
Depositamos assim, uns nos outros, a conquista pela nossa felicidade, sustentada num conjunto de crenças assente na relação com o outro, na interdependência. A noção de que é mais fácil desresponsabilizar-se do poder de escolha e de decisão, confiando no outro a causa dos nossos desgostos e insucessos, pode ser motivada por comodismo, cobardia ou estratégia de evolução. Escolher ser espetador da sua vida, sem capacidade de controlar a reação e resposta mediante as escolhas do outro, subservientes às expectativas alheias, poderá ter um impacto profundo na sensação de felicidade e plenitude. De forma positiva ou negativa, consoante o conjunto de crenças que cada um definiu para si. A dependência emocional pode, no entanto, ser patológica e indicar um desequilíbrio extremo na carência do outro para se sentir feliz, podendo apresentar algumas destas características: medo da solidão, dificuldade em dizer “Não”, anular os seus sonhos e objetivos pelo outro, submissão, dificuldade em estabelecer limites, perceção negativa de si mesmo, entre outros. Certas pessoas inevitavelmente terão padrões patológicos, tornando-se presas fáceis em relacionamentos abusivos, estando à mercê de esmolas de afeto e aprovação de terceiros. Contudo, a teia tecida socialmente é muito mais manipuladora e subliminar, conspirando de forma holística para que EU não me baste. Desde pequeninos até ao último suspiro somos seres em interação e interdependência. O bebé humano conquista emocionalmente o adulto cuidador com o encanto do seu sorriso social, construindo vínculo com a sua mãe e garantindo a salvaguarda das suas necessidades básicas e a sua sobrevivência.
Como se libertar do grilhão da dependência emocional? O primeiro passo para a mudança é identificar essa necessidade. A máxima grega “gnôthi seautón” – “Conhece-te a ti mesmo” – poderia sugerir, na atualidade, o passo seguinte pela importância de cada pessoa identificar o seu conjunto de valores e crenças de modo a saber o que motiva e gera felicidade para si. Identificar através da sua análise SWOT pessoal um registo de forças, fraquezas, ameaças e oportunidades que permitam traçar um caminho a percorrer e um destino a alcançar, reavaliando e reajustando no decorrer da caminhada, enquanto as vicissitudes da vida sucedem.
Acredito que nos meus ombros recai a responsabilidade da escolha e o peso da consequência. O meu compromisso é comigo mesma e por isso sou rainha e senhora das escolhas que faço. Sou personagem central da minha história, porém, apenas controlo o guião das minhas escolhas.
Referências:
- Bregman, R.(2020). Humankind: A Hopeful History. London: Bloomsbury.
- Harari, Yuval N. author. (2015). Sapiens : a brief history of humankind. New York:Harper.
- “gnôthi seautón”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023