Depois de um dia extenuante, ele só parou quando pisou a areia dourada daquela praia. Descalçou-se e sentiu-a ainda quente, apesar do sol já beijar a linha do horizonte. Levou os pés cansados num caminho triunfante até os molhar na água fresca do oceano, daquele oceano, o Pacífico, que era também como ele se sentia no seu íntimo, agora que estava ali.
Objectivo cumprido. Passara o dia a conduzir. Percorreu estradas solitárias no meio do deserto banhado pelo sol constante. Parou em locais do seu imaginário que eram agora uma memória palpável. Depois, atravessou sem medos e com entusiasmo a grande selva urbana, também humana, que é essa gigantesca metrópole de deuses e monstros, Los Angeles. Agora, inspirava forte o ar salino, o odor das palmeiras ao vento, os cheiros da vida descontraída. Inspirava forte e arredado das preocupações que para ali o levaram. Permaneceu longos minutos, até a pele dos dedos dos pés se enrugar nas ondas. Já tinha os pés soterrados na areia molhada, cobertos por plácidas vagas de espuma branca trazida pelas ondas, também elas como ele, energia viajante a chegar ao seu destino.
Por fim despertou daquele retiro momentâneo e virou costas ao mar. Nesse momento, olhou pela primeira vez para a cidade, escutando-a com os olhos. Um emaranhado de pequenos edifícios pitorescos, emoldurados por palmeiras e cercados de vida. Uma vida que ele desconhecia mas que de alguma forma o chamara. Era esse o seu motivo, redescobrir ali, de onde ouviu uma voz, a sua própria vida, a sua casa, o seu ser.
Regressou ao carro e pegou nas suas coisas. Caminhou até ao pequeno hotel que o iria receber, mesmo em frente ao mar. Mathew, sentindo uma presença, retirou num impulso os pés de cima da secretária. Cumprimentou-o e cumpriu o seu papel profissional na perfeição. Regras, explicações, sugestões, e terminou com uma simples pergunta: porquê Venice Beach? A resposta foi um sorriso silencioso que disse tudo o que poderia ser dito. Mathew logo leu no silêncio o fascínio pela vida de um local. Percebeu a procura pelo viver, apenas isso. Era algo que partilhavam.
Depois de um banho e de arrumar as coisas no quarto, saiu. Procurou um sítio para comer ainda sem saber bem como o fazer. Entrou num bar que Mathew lhe recomendara. Sentou-se e pediu uma cerveja e peito de frango assado com maça. Esperou pela comida entre goles lentos enquanto observava descontraidamente. As garrafas, as pessoas, as conversas, os risos, a vida que almejava sentir parecia estar ali. Perguntava-se quanto tempo iria demorar a sabê-lo.
Sentia-se já inserido no ambiente, fazendo parte dele, quando pousaram o prato de frango com maça na sua frente. Pediu mais uma cerveja. Degustou a comida com prazer e rematou-a com um Jack Daniel’s. Sentia-se cada vez mais descontraído, imbuído numa felicidade simples por nada precisar de fazer para a sentir.
Perdido a tentar perceber se seria ali mesmo a sua casa, viu-se interrompido. Um jovem de cabelo oxigenado, pele queimada em excesso pelo sol, roupa de praia que era quase a sua pele, sentou-se ao seu lado e iniciou uma lenta conversa, no começo igual a todas as outras. De onde és? E tu? Que fazes aqui? E outras curiosidades ocas. Depois revelou-se, “You want something to get high?”, “No man, thanks but no”, foi a resposta que lhe deu. Ainda ouviu um “Ok, your lost…”, dito enquanto o aspirante a fornecedor se levantava e saia do bar. Sorriu para a rapariga que assistia discretamente, do outro lado do balcão. Ela sorriu para ele. Foi um sorriso a dizer-lhe que estava no sítio certo. Ali podia descontrair, ser quem queria ser sem qualquer pressão. Podia exprimir-se sem constrangimentos. Estava no sítio onde podia ser livre.
Pediu mais uma cerveja e bebeu-a sentindo-se bem, a descobrir-se em casa.
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