Cegueira universal que cheira bem

Não sei quanto a vocês, mas desde criança que ouço que “beleza não mete comida na mesa”. E a verdade é mesmo essa: nem as mulheres mais bonitas ganham dinheiro só porque nasceram com os parâmetros certos, na época certa. Alias, o que está em causa nem é a perfeição da pessoa, mas sim a valorização que a sociedade lhe dá, em dada época. Porém, se tudo não passa de uma construção social, porquê que continuamos obcecados com o aspecto exterior, o nosso e o dos outros?

Nem as modelos mais belas são capazes de vos desmentir a tese, que nada mais tem que sabedoria popular, e todas insistem que só com muito trabalho, persistência e força de vontade é que conseguiram chegar ao top onde hoje se encontram. Porque beleza, boa aparência e um porte físico de meter inveja não são capazes de construir, por si só, uma carreira, uma vida, um futuro. Precisamos de substância, de carácter, de confiança e muito amor-próprio. E, se o é assim por um lado, as nossas experiências do quotidiano levam-nos a acreditar exactamente no oposto!

Na maioria das situações, o cérebro humano não tem hipótese de se proteger senão julgando pelo que lhe rodeia e o que absorve pelos seus sentidos. Assim, é capaz de nos cheirar, literalmente, mal cada vez que verificamos que certa pessoa não tem a aparência necessária para fazer algo, para estar num certo sitio ou, simplesmente, porque, de facto, cheira mal (mas acreditem que, agora, tomar banho está tão em voga que são quase impossíveis estes últimos factos!).

Não obstante os nossos maiores esforços para eliminar estas primeiras conclusões, esta pode tornar-se uma tarefa verdadeiramente difícil, sobretudo quando os contactos são efémeros. Mas a mudança pode acontecer, em certas ocasiões. Mas esta é unicamente a minha opinião. No entanto, a sociedade parece dividir-se em dois polos, que em nada se atraem e em muito se repudiam.

A nossa cabeça, programada pela sociedade, já só é capaz de ver algumas tonalidades entre o branco e o preto, o bom e o mau, o certo e o errado, logo acrescentar novas possibilidades (como, por exemplo, uma pessoa adoptar um certo estilo de vida perigoso, sem que assuma verdadeiramente riscos) começa a ser muito complicado de gerir para estas cabeças pensantes – como dizem alguns. A discriminação é, assim, algo inato a que o animal racional não pode fugir.

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Todavia, uma nova tendência à qual eu gosto de chamar de “efeito surpresa” – apesar de a maioria o denominar de “não julgues pelas aparências” -, não só tem vindo a ganhar terreno aos preconceitos, como se está a tornar a regra-geral que já vai norteando muitos ex-discriminadores. Assim, uma verdadeira revolução vai correndo pelas nossas veias, transmitindo-se de geração em geração, através de bons costumes e valores – também conhecido como “boa educação” – e vai perpetuando a ideia de que as pessoas são mais do que parecem. Porém, atenção, esta nova corrente não implica que ninguém é aquilo que parece, mas que pode ser mais, seja melhor ou pior, do que o seu modo de vestir, de estar ou de espirrar dignidade.

Enquanto o “efeito surpresa” e os seus defensores vão ganhando poder, o movimento “preto no branco” tenta retaliar. Assim, numa luta desigual, esta corrente tenta, através do medo, da pressão e dos preconceitos, cativar inocentes almas que se deixam render facilmente. A sua teoria segue os modelos de Adolf Hitler, grande líder radicalista e extremista: se parece mau é porque é mau; se parece bom, desconfia na mesma. Desta forma, tu proteges-te (mesmo que à custa de julgar precipitadamente outros).

Dois lados, da mesma questão, que se opõem e continuam a aguardar que nasça um intermédio. Será que o leitor poderá fazer brotar um novo meio de pensar? Tratar todos como diferentes ou, inversamente, só alguns é que poderão ser (ligeiramente!) não-normais?

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