“Born Free”

Uma Leoa Chamada Elsa é um daqueles filmes de família cujo título infeliz em português (o nome remete-me para o cinema pornográfico, mas deve ser a minha mente emporcalhada) não colou. Born Free, no original, conta a história verídica de um casal que, no Quénia, gere uma instituição que acolhe, cuida e introduz animais selvagens – leões – de volta ao seu habitat.

Born Free centra-se em Elsa, uma leoa criada em cativeiro e sua introdução na vida selvagem. Não vi o filme em família, mas sozinho, num DVD comprado numa qualquer promoção da Fnac. O facto de ter sido um dos poucos discos que guardei como recordação dessa época do suporte físico, das capas, do livrinho e da estante com as lombadas alinhadas, como se de uma biblioteca se tratasse, mostra que algum impacto terá tido.

Não se trata de um desses filmes ecológico-familiares um bocado bacocos do estilo toca a dar as mãos e comer tofu para salvar o planeta e evitar a extinção da formiga de asa, mas algo mais puro, com uma mensagem menos trabalhada e mais próxima das origens. Ou talvez por ser dos primeiros filmes a versar sobre esta temática da Natureza, contenha a beleza iniciática que só a originalidade das primeiras vezes consegue alcançar.

Born Free é um filme bonito, devendo essa beleza à pureza da sua história e à fotografia, mas é sobretudo o afecto que sentimos por uma leoa, e a maravilhosa banda sonora de John Barry (que nesse ano de 1966 receberia os dois primeiros óscares da carreira, para banda sonora original e canção original) que fazem desta obra algo único.

Reminiscências da conhecida história de Christian, o leão comprado no Harrods por dois australianos no início da década de setenta, surgem com este filme. E existe, de facto, um forte entrelaçar das histórias: quando Bill Travers e Virgina McKeena, os actores de Born Free sugeriram aos jovens, que se debatiam com a impossibilidade de criar um leão em crescimento no meio de Londres, reintroduzi-los no seu habitat natural, apontaram George e Joy Adamson, o casal que eles haviam representado no filme. E assim aconteceu.

Talvez Born Free valha a pena ver pelo valor e ternura que transmite, mas num tempo tão conturbado, acelerado e sobretudo marcado por uma violência que há muito se soltou do monopólio do espectro físico para se colar à palavra e ao psicológico, Born Free impõe-se como uma ilha de amor, qualquer coisa que, sejamos nós mais ou menos sensíveis, reconhecemos como puro, e que toca no que temos de melhor.

PS: A realidade é mais complexa e cruel do que a arte. Ainda que esta tente honrar a vida pela fidelidade e pelo modo como a trabalha sem a deturpar, há confrontos incontornáveis com a violência do absurdo. George e Joy Adamson foram assassinados, anos depois do filme (ela em 1980, ele em 1989). Sortilégio feliz o facto de esta história ter sido contada antes: poupou o filme a este final trágico, mantendo-o abraçado a uma mensagem de esperança.

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