Vivemos a correr, sempre de um lado para o outro, sem nos apercebermos que a vida nos está a ser roubada. É a urgência em tudo o que se faz. O tempo e o espaço tornam-se irrelevantes e o agora é dominante. Temos tanto, mas nunca é suficiente. A insatisfação apodera-se de nós, aqueles que pensam que são autónomos e independentes. Somos fantoches manipulados por uma sociedade que nos faz marchar num exército que não conhecemos.
O que nos falta para sermos completos e felizes? Fabricamos tantas inutilidades e tantas máquinas, para nos facilitarem a vida, que deixámos de a ter, de saborear os desafios, aquilo que motiva a avançar, a evolução natural. São tempos da libertação ridícula, de não usar o cérebro e muito menos de saber viver. Onde é que nos perdemos? Em que estação estranha ficámos?
O céu não cairá sobre as nossas cabeças se um dia acordarmos e percebermos que estamos a deixar de ser humanos. Onde estão os nossos relacionamentos, os amigos, a família e os sentimentos? Hoje parece tudo de papel e de metal, sem moldagem de sensibilidade nem um pingo de verdade. Viver tem de ser rápido, não perder nada do que acontece e do que vai acontecer. A globalização do mundo leva a uma vida tão descaracterizada que nos negligenciamos.
Paramos. É tempo de fazer o balanço, de reflectir sobre aquilo que somos e o que queremos ser. Então surge a verdade: desconhecemo-nos. Quem é aquele que nos olha no espelho, que nos penetra na alma e nos analisa? Quem é aquele intruso que tomou conta do nosso corpo e nos manipula como se fossemos bonecos?
E agora? Que caminho seguir? Qual é a porta que devemos abrir e soltar? O abismo surge como uma solução, como uma saída para o impasse que se avizinha. Olhamos para o lado e que vimos? Outros tão desorientados como nós? Haverá uma aplicação para recomeçar? Reset? Todos os dias? Uma vida inteira?
Temos tudo para fazer seja o que for e porque é que não o fazemos?
Compramos guerras desnecessárias, criamos divisões, viramos costas uns aos outros só porque sim, odiamos porque é mais fácil a ira e a raiva do que o amor e a felicidade. Esta dá muito trabalho a manter e precisa de ser cultivada, todos os dias. A vida não é um filme, onde as girls são perfeitas, os agentes secretos resolvem todos os enigmas e os super-heróis aparecem a cada esquina.
Quem somos? Que fazemos aqui, neste antro de desavenças, de conflitos e de revoltas? Não somos feitos com capa e contracapa e a lombada não existe. Não há suporte. Somos nós que nos fazemos, que nos construímos, que nos moldamos. Somos os personagens principais, secundários e figurantes. Não existe um guião fixo e a improvisação é um método falível.
Passa o genérico e só alguns têm paciência e curiosidade de o ver, de conhecer todos os créditos, de ler os agradecimentos. O Cinema Paraíso é uma quimera, um desejo que nunca poderá ser concretizado porque não o queremos, não podemos aceitar que sejamos senhores e donos do nosso destino. Chega o beijo final, o close up enche o écran e todos suspiram. Caem as lágrimas, os ombros baixam e os sorrisos afloram naquelas faces que vivem fascinadas pela vida de fantasia.
The End